CI

O impacto da genética sobre a produtividade da soja


Amélio Dall’Agnol
É racional e justificável a angústia que atormenta a moderna sociedade quanto à necessidade de aumentar a produtividade das lavouras, de vez que vivemos premidos pela urgência de produzir cada vez mais alimentos, num espaço cada vez menor e tendo a obrigação de fazê-lo de maneira sustentável para não comprometer a capacidade dos recursos naturais que hoje exploramos, de prover a sobrevivência das gerações que virão depois de nós.


O temor pela falta de alimentos é antiga e recorrente. Desde que Thomas R. Malthus deu o primeiro alerta, em 1.789, sobre a possibilidade de a produção de alimentos ser menor que o crescimento da população, resultando na morte de milhões de pessoas por fome e inanição, muitas outras pessoas manifestaram preocupações semelhantes. Todos falharam, porque não souberam estimar a capacidade do homem de inovar nas técnicas de cultivo, promovendo o crescimento da produção, via aumento da produtividade.

Desconhecemos qual o limite máximo que a produtividade de um cultivo pode alcançar. Para a cultura da soja, a produtividade máxima mundial teria sido alcançada pelo produtor norte americano Kip Cullers, em 2010: 176 sacas/ha ou 10.560 kg/ha. No Brasil, a produtividade máxima registrada teria sido obtida pelo produtor Leandro Ricci do Paraná, no Concurso: “Desafio Nacional de Máxima Produtividade de Soja” promovido pelo Comitê Estratégico Soja Brasil, na safra 2009/10: 108,35 sacas/ha ou 6.501 kg/ha.

Estabelecer com precisão quanto do aumento da produtividade da soja foi ganho genético e quanto correspondeu a outros fatores de produção, é uma tarefa difícil, para não dizer impossível. Vários estudos foram realizados e os dados apresentados são uma estimativa, a qual poderá ser, eventualmente, contestada pelos resultados de outro estudo semelhante.

Estimativas realizadas por diversos pesquisadores, em diferentes países, considerando o ganho de produtividade das cultivares comerciais desenvolvidas ao longo das últimas décadas, encontraram índices distintos: Boerma (2009), no estado da Georgia, EUA, considerando os períodos de 1945/2005 e de 1975/2005, concluiu que o ganho genético para variedades de soja do grupo de maturação V, havia sido de 24 e 17 kg/ha/ano, respectivamente. Em outro estudo, o mesmo Boerma (1979) encontrou ganhos de produtividade de 10, 18 e 15 kg/ha/ano para variedades dos grupos de maturação VI, VII e VIII, respectivamente (Crop Sci. 19:611-613).

Salado-Navarro et al, 1993 (Crop Sci. 33:1204-1209), em avaliações feitas no estado da Flórida, EUA e utilizando cultivares dos mesmos grupos de maturação VI, VII e VIII, encontrou ganhos de produtividade iguais a 0,0, 16 e 19 kg/ha/ano. Outros estudos conduzidos nos EUA, Índia e Canadá, relataram ganhos de produtividade variando desde 0,5% até 1,2%/ha/ano. No Brasil, vários autores (Toledo et al., 1990; Alliprandini et al., 1993; Rubin, 1995; Lange & Federizzi, 2009) informaram ter encontrado ganhos genéticos que vão desde 8 kg/ha/ano negativos, até 71,5 kg/ha/ano positivos.

No entanto, vale salientar que o melhorista de soja, no seu esforço por desenvolver variedades geneticamente superiores, não busca apenas o ganho de produtividade, mas, principalmente, a eliminação de fatores restritivos à produção, como invasoras, pragas e doenças. É perfeitamente possível cultivar uma variedade de soja dos anos 70, desde que protegida contra os fatores restritivos que a condenaram (cancro da haste e mancha olho de rã, por exemplo) e produzir igual ou até mais do que a variedade mais comercializada na última safra. Também, é importante alertar, que uma variedade geneticamente superior não significa nada, se os demais fatores de produção não estiverem presentes em condições ótimas: água na quantidade e momento certo, nutrientes segundo as necessidades da cultura, ausência de compactação e encharcamento do solo, ausência de mato-competição, pragas e doenças, etc.

Recentemente, a preferência do sojicultor tem-se voltado para as variedades transgênicas de hábito indeterminado, que além de produtivas, se caracterizam por apresentar porte ereto, ausência ou presença de poucos ramos, resistência ao acamamento, folhas estreitas e verticalizadas, o que favorece uma maior insolação e aeração da planta, contribuindo para criar um ambiente desfavorável para a proliferação de doenças.

A arquitetura dessas plantas favorece, também, a circulação das máquinas e implementos e melhora a distribuição dos pesticidas, o que contribui para o controle mais eficaz das pragas, doenças e invasoras. As variedades tradicionais, com hábito de crescimento determinado, estão sendo rejeitadas pelo produtor porque acamam muito, particularmente em anos chuvosos.  Presumivelmente, este fenômeno foi favorecido pela sensível melhoria nas condições químicas e físicas dos campos de produção, no correr dos últimos anos.


Dentre os avanços genéticos mais recentes, o mais espetacular foi o desenvolvimento da transgenia (genética moderna), que se utiliza de um conjunto de técnicas revolucionárias de engenharia genética para processar transformações no DNA das plantas, não possíveis de serem obtidas com as ferramentas da genética tradicional e que permitem reduzir enormemente o tempo de obtenção de uma planta geneticamente superior. Utilizando as ferramentas disponibilizadas pela transgenia, é possível transferir um gene de um animal para uma planta e ele funcionar. A soja transgênica RR, é um bom exemplo. Foi obtida transferindo gene do DNA de uma bactéria (animal), para o DNA de uma planta de soja. A natureza, através de mutações espontâneas, também é capaz de processar transformações semelhantes, mas leva séculos ou milênios para consegui-lo.

Esta foi apenas a primeira maravilha operada pela engenharia genética na soja. Muitas outras virão, algumas já em fase de acabamento, outras ainda no sonho dos pesquisadores. Dentre os desenvolvimentos já em fase adiantada de pesquisa, poder-se-ia citar a soja resistente a outros herbicidas que não o glifosato, resistência a insetos, tolerância à seca, resistência a nematoides, resistência a fungos, resistência a vírus, resistência a afídeos, soja para alta produtividade, soja produzindo óleo de melhor qualidade, entre outros. Dentre os cultivos geneticamente modificados, a soja é a que conta com a maior área cultivada, seguida pelo milho, algodão e canola.

Os países do MERCOSUL têm no segmento agrícola a sua maior força e em todos eles, a soja se constitui no principal produto de exportação. A região é, também, o principal centro produtor mundial de soja, com claros sinais de que seu potencial produtivo não se esgotou, devendo seguir com sua trajetória de crescimento, tanto no aumento da área, quanto no crescimento da produtividade. E é possível crescer sem temer o excesso de oferta, e consequente queda nos preços, porque o mercado será francamente comprador nos próximos anos, como resultado do crescimento da renda per capita dos países em desenvolvimento e o consequente aumento no consumo de carnes, que têm na soja a principal matéria prima para produzi-la. As recentes frustrações de safra têm mantido os estoques de passagem em níveis muito baixos, o que fortalece o quadro de preços altos.

O crescimento da produção de soja nos países do MERCOSUL é digno de registro. Sem exceção, os quatro países tiveram aumentos de produção espetaculares. O Uruguai, o mais recente membro do clube da soja, partiu de uma produção insignificante em 2001 (28.000t) e ao final da década alcançou a produção de quase dois milhões de toneladas (1.817.000t). Um impressionante crescimento de 65 vezes, em apenas uma década. Sua produtividade, no entanto, foi a mais baixa da região nesse período, quando o Paraguai figurou como o membro que apresentou a produtividade mais instável e o Brasil, a mais estável.
A maior estabilidade produtiva da soja brasileira deve-se à produção do Cerrado, onde as precipitações na primavera e verão são abundantes e contínuas, o que não acontece na região sul, onde as produtividades oscilam de uma para outra safra, à semelhança do que ocorre no Paraguai e no Uruguai. As enormes variações na produtividade da soja desta região é conseqüência, mais dos regimes pluviométricos inconstantes e menos pelo uso insuficiente de tecnologia.

No Uruguai, mesmo em anos de boas precipitações, sua produtividade fica abaixo da dos demais parceiros do MERCOSUL, o que poderia ser explicado pelo fato de o cultivo ali ser mais recente e os produtores não estarem ainda totalmente familiarizados com as mais modernas técnicas de produção, ou ainda, porque investem menos em insumos, temendo a estiagem, quando tem maiores prejuízos quem investe mais.

Ressalte-se, no entanto, que o que realmente importa ao produtor é a lucratividade e não a produtividade. Às vezes, é possível ganhar mais produzindo menos, razão pela qual poderia ser estratégico para um produtor de região de alto risco climático, investir menos em insumos de produção, optando por uma produtividade menor, mas também, por um prejuízo menor, na eventualidade de ocorrer uma estiagem.

Assine a nossa newsletter e receba nossas notícias e informações direto no seu email

Usamos cookies para armazenar informações sobre como você usa o site para tornar sua experiência personalizada. Leia os nossos Termos de Uso e a Privacidade.