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Mamona, o petróleo do sertão


Decio Luiz Gazzoni

Depois que o bicudo fez desaparecer o algodão do sertão nordestino, para o sertanejo sobrou apenas um legítimo cash crop: a mamona. O sertanejo não sabe o que é cash crop ou o que significa “quase moeda”. Mas ele sabe que pode trocar, na vendinha do povoado, algumas bagas de mamona por produtos de primeira necessidade. Há uma taxa de câmbio flutuante, que regula o preço da baga, de acordo com a corrente de intermediação e com o mercado internacional. Assim, um quilo de farinha pode valer mais ou menos bagas de mamona, de acordo com a “taxa de câmbio da mamona”, ancorada na demanda internacional do óleo e de sua cotação em Chicago. Quem diria!

 

Cadeia negocial

A situação de semi escambo resolve apenas parcialmente o problema do sertanejo, que fica exposto a uma cadeia de atravessadores, os quais, ao final, viabilizam a comercialização da mamona. A proposta subjacente, percebida no I Congresso Brasileiro de Mamona, é conferir um novo status à cultura. Além das aplicações industriais e de química fina, o óleo de mamona pode ser utilizado para fins energéticos. Na proposta do Programa Brasileiro de Biodiesel, a mamona é peça fundamental para cumprir a meta de adição de 2% de biodiesel ao óleo diesel. Não apenas pelo potencial energético, mas também por suas características de adaptação ao clima seco e à pequena propriedade.

 

A cultura

A mamoneira tem seu centro de origem na região tropical, provavelmente na Etiópia. Portanto, apresenta alta resistência à seca (mínimo de 500 mm de chuva ao ano), demanda alta radiação solar e se desenvolve melhor com temperaturas médias entre 20 e 30º.C e em altitudes superiores a 400 m. Adapta-se bem a uma ampla gama de solos, excetuados os ácidos, pesados, encharcados, salinos ou com alto teor de sódio trocável. As cultivares atualmente disponíveis, como a BRS149 e a BRS188, permitem obter 1.500kg/ha de bagas, em condições de lavoura de sequeiro, com teor de óleo próximo a 50%. Alguns agricultores mais tecnificados conseguem colher mais de 2.000kg/ha e produtores baianos afirmam estar obtendo até 54% de óleo das bagas de mamona.

 

Energia e inserção

Além de seu potencial energético, a mamona prestará uma importante contribuição para a inclusão social de centenas de milhares de pequenos agricultores e trabalhadores rurais. A cultura surge como uma dádiva que permitirá produzir biodiesel no deserto, de onde a metáfora de petróleo do sertão. Não gerará sheiks e vizires, como nas Arábias, mas permitirá gerar emprego e renda em uma região deficitária em ambos. Os programas já pipocam em diversos estados. Na Bahia, maior produtor brasileiro, a esperança é grande. Só em Irecê, são mais de 30 mil agricultores que podem buscar na mamona a segurança que o feijão caupi, por ser mais sensível ao estresse hídrico, não lhes confere. No Piauí, uma empresa privada engatinha o que chama de “reforma agrária privada”, baseada na mamona, nos cultivos consorciados e complementares. No Ceará, espera-se implantar 10.000 ha ainda este ano, beneficiando 3.000 famílias. No Rio Grande do Norte, a Petrobrás lança as bases de uma indústria de biodiesel, em Carnaubais.

 

Política pública

O Brasil já esteve no topo da produção mundial de mamona, com quase 400.000 ton de bagas (1985). Hoje, mal chega a 85.000 ton, torpedeado pela Índia, que produz 500.000 ton. A idéia é dar a volta por cima e retomar à liderança, calcado em uma política que vislumbra não apenas os 600 produtos tradicionais, derivados da mamona, mas também a energia que pinga das bagas. A decisão de se permitir, de imediato, a adição de 2% de biodiesel ao petrodiesel, para tornar a mistura compulsória em 2 anos, garantirá o mercado consumidor. O restante fica por conta da tecnologia dos institutos de pesquisa e da organização da produção (assistência técnica, cooperativismo, comercialização), que conferirão sustentabilidade a um negócio que interliga energia, proteção ambiental e inserção social.

O autor é Engenheiro Agrônomo, pesquisador da Embrapa Soja. Homepage:
www.gazzoni.pop.com.br

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