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Língua eletrônica


Decio Luiz Gazzoni

A ciência tem se esmerado em reproduzir (e até melhorar!) algumas características dos seres vivos. Hoje podemos voar mais alto e mais rápido que as aves, correr mais que os leopardos, mergulhar como os habitantes do mar. A Ciência desenvolveu o microfone (audição), o alto-falante (fala), a câmera (visão) e os sensores térmicos e de presença (tato). Faltava mimicar o paladar e o olfato.

Embrapa

Faltava, até a Embrapa desenvolver a língua eletrônica. Trata-se de um sofisticado aparelho, com sensores de substâncias químicas associadas ao gosto, imitando o que fazem as papilas situadas na língua. Por exemplo, a língua eletrônica consegue identificar com precisão superior à humana, os padrões de gosto como doce, salgado, amargo ou ácido. Mais do que a sensação qualitativa, o equipamento permite quantificar as substâncias que conferem esta característica.

Paladar

O sentido do paladar ainda não está completamente desvendado pela ciência. As últimas descobertas demonstram que o paladar é um eterno aprendizado. Juntamente com outros sentidos (especialmente visão e olfato), o organismo monta um “banco de dados” de padrões na sua memória permanente. Quando o indivíduo ingere um líquido, um chá ou café, os sensores das papilas detectam algumas substâncias chave e, por comparação com o que está armazenado no “banco de dados” cerebral, é efetuada a identificação. Logo o paladar tem muito de pessoal e de cultural, porque significa a formação de um conhecimento, o fruto das diferentes experiências às quais um indivíduo é exposto.

Sofisticação

Tomemos o exemplo dos indivíduos de paladar mais apurado e mais sofisticado, como os provadores oficiais de café ou vinho. Um bom connoisseur de vinho é uma pessoa tida como semi-deus, inatingível em sua capacidade de identificar os melhores vinhos, através de sutis diferenças, imperceptíveis aos habitantes da ágora. Da indicação de um connoisseur depende a fama do vinho e sua cotação no mercado. O mesmo se aplica aos provadores de café. No caso de pessoas humanas, há necessidade unir um talento inato (a capacidade de apreciar e discernir), com uma característica sensitiva discricionária do momento, ao mesmo tempo em que resgata da memória sensações passadas de eventos semelhantes.

A lógica do equipamento

O Dr. Luiz H. Mattoso (Embrapa Instrumentação Agropecuária) liderou o projeto que desenvolveu a língua eletrônica, que mímica, parcialmente, as qualidades dos connoisseurs de vinho ou provadores de café. O equipamento compõe-se de sensores, que fazem as vezes de sentido humano (paladar). Estes sensores são micro-eletrodos de ouro recobertos por plástico, sendo necessários 8.000 deles para atingir o diâmetro de um fio de cabelo. A função do sensor é medir a condutividade elétrica do meio onde está mergulhado (café ou vinho, por exemplo). A variação na condutividade é medida pelo equipamento, que envia os dados a um computador. O banco de dados do computador executa a mesma função da memória humana, permitindo comparar eventos atuais com passados e decretar a sua similaridade, superioridade ou inferioridade. Para tanto, os cientistas desenvolveram uma “rede neural”, inspirada pelos neurônios, e que imita o aprendizado humano. Ou seja, quanto mais o equipamento é usado, mais preciso ele se torna.

Mercado

A língua eletrônica terá muitas aplicações no mercado, porém não deverá substituir, necessariamente, provadores de vinho ou café. Ela tem uma limitação, que é o fato de ser inanimada, ou seja, não há como afirmar-se que determinada bebida, analisada pelo equipamento, será do agrado do consumidor. Seu uso restringe-se à identificação das características qualitativas e quantitativas. Para tanto, o equipamento é extremamente sensível, e a equipe que o desenvolveu estima que seja capaz de detectar concentrações de substâncias em diluição até mil vezes superior ao limite de detecção da língua humana. Em testes realizados, o equipamento detectou o sal de cozinha em concentrações de 0,000005%. O equipamento deverá ser colocado no mercado até 2006, e o primeiro cliente é a Associação Brasileira das Indústrias de Café. Ah!, sim: e a Embrapa já está trabalhando no nariz eletrônico, com aplicações já previstas no mercado de frutas!

O autor é Engenheiro Agrônomo, pesquisador da Embrapa Soja. Homepage www.gazzoni.pop.com.br

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