CI

Farmácias no campo


Decio Luiz Gazzoni
Acho que nunca antes na História deste país o termo vacamácias havia sido usado. Criei-o para redigir este texto, mas o avanço da Ciência poderá levá-lo aos dicionários. Cientistas têm estudado a introdução de genes humanos em vacas, a fim de produzir anticorpos para o tratamento de doenças humanas. Anticorpos são proteínas produzidas pelo sistema imunológico, em reação ao ataque de um patógeno, e servem para neutralizar o ataque de bactérias ou vírus, sendo específicos para cada patógeno.

Um artigo da revista Science (26/11/14) mostra que genes humanos introduzidos em vacas produziram anticorpos para combater um hantavírus, que causa síndrome pulmonar e febre hemorrágica em humanos, por vezes levando a óbito. O estudo abre perspectivas encorajadoras para tratar doenças atualmente incuráveis, como o ebola e o MERS.
Os métodos atuais são pouco eficientes, como extrair anticorpos de sangue humano ou criar versões “humanizadas” de anticorpos em camundongos, modificando algumas proteínas para se aproximar do tipo humano. O anticorpo original de um animal é visto pelo sistema imunológico humano como invasor: uma injeção de um anticorpo exógeno poderia ser fatal para um humano. Por isso, durante a recente crise, sobreviventes do ebola doaram sangue para extrair anticorpos e tratar outros pacientes.
Os genes que regem a produção do anticorpo para hantavírus localizam-se nos cromossomos humanos 2 e 14. Fragmentos dos cromossomos foram extraídos de humanos e inseridos no código genético das vacas. Com isto as vacas não produzem anticorpos para os vírus que atacam bovinos, mas sintetizam as versões “humanas” dos anticorpos. Eles foram testados em cobaias infectadas com hantavírus, que aumentaram significativamente sua sobrevivência. O próximo passo é testá-los em humanos, para assegurar que são eficientes e seguros.

Os anticorpos de vacas geneticamente modificadas seriam indistinguíveis dos produzidos pelo corpo humano. As vacas são muito maiores e mais eficientes do que ratos de laboratório: uma única vaca pode sintetizar até 1.000 doses de anticorpos por mês. Algum dia, estes bovinos transgênicos podem salvar sua vida. Mais uma dívida da sociedade para com o agronegócio.
O autor é Engenheiro Agrônomo, pesquisador da Embrapa. www.gazzoni.eng.br

Assine a nossa newsletter e receba nossas notícias e informações direto no seu email

Usamos cookies para armazenar informações sobre como você usa o site para tornar sua experiência personalizada. Leia os nossos Termos de Uso e a Privacidade.