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Créditos de Carbono


Decio Luiz Gazzoni

Um pecador assumido vai ao confessionário e relata ao padre seus desvios de conduta. O rito confessional prevê o arrependimento, o propósito de não mais incidir na conduta errada e a purgação das penas – a penitência. Para quem é católico, vai soar como heresia, mas tente imaginar que esse pecador não se arrependa, não assuma qualquer compromisso de não reincidir nos mesmos erros, mas que, mesmo assim, almeje o perdão. Para tanto - heresia das heresias – propõe ao clérigo que a penitência seja cumprida por outrem, em troca do vil metal. Ao que se sabe, a concessão de indulgências em troca de bens materiais (instituída por João XXII, no séc. XIV) já caiu em desuso.

 

Comércio

Heresia para os católicos, natural para os países ricos, poluidores confessos do Planeta Terra. Eles estão conscientes que seu modelo de desenvolvimento não é sustentável e que os impactos no meio ambiente, decorrentes de um modelo predatório dos recursos naturais, terá sérias conseqüências futuras. A fim de não alterar seu paradigma cultural e econômico, dependente de energia fóssil, e para não perder competitividade comercial, foi criado o conceito de “Créditos de Carbono”, que também poderia se chamar de “Empurra com a barriga”. Por ele, alguém é pago para não poluir, ou para despoluir, livrando a cara dos países ricos. O conceito está contemplado no Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), integrante do Protocolo de Quioto (PQ). Até 2012, os países desenvolvidos, signatários do PQ, devem reduzir suas emissões de gases de efeito estufa (GEE) a valores 5,2% inferiores aos de 1990.

 

O gatilho

O PQ entrou em vigor este ano, após ser ratificado por mais de 55 países, que representam mais de 55% das emissões de CO2 do ano de 1990. Os 37 países com índices mais elevados de emissões, ao invés de cumprir diretamente a meta de redução dos gases de efeito estufa, podem pagar para que outros países, eliminem ou reduzam as emissões, ou seqüestrem GEE. A redução ou o seqüestro dos gases é chamada de “créditos de carbono”, que são vendidos aos países ricos, através de Certificados de Emissões Reduzidas, permitindo a esses países comprovar a redução da emissão de GEE.

 

Projetos

Os créditos de carbono podem ser obtidos por redução de gasto de energia fóssil, utilização de fontes renováveis de energia e seqüestro ou imobilização dos GEE. A agricultura é um dos setores beneficiados por esse mecanismo, através da implantação de culturas permanentes, que fixem o CO2 atmosférico. Existem diversos critérios a serem atendidos para que uma atividade possa gerar créditos de carbono. O não atendimento desses critérios, apesar de a atividade redundar em emissões reduzidas ou nulas, ou mesmo em seqüestro do carbono, pode inviabilizar o seu reconhecimento e torná-la desprovida de valor no mercado do carbono.

 

Financiamento

No âmbito dos regulamentos internacionais, cada país deve emitir suas próprias regras. O BIRD criou o Prototype Carbon Fund, que tenciona ser o paradigma do setor. Sua missão declarada é ser um fundo pioneiro no mercado de projetos destinados a reduzir os GEE, no âmbito do PQ. Objetiva induzir projetos em países emergentes, financiados com recursos provenientes de países constantes do Anexo I do PQ. Congruente com essa visão, o Banco oferece recursos de crédito, através da linha GEF (Global Environment Facility), para projetos elegíveis no âmbito do Protocolo de Kyoto.

 

Fundos privados

 Operações com créditos de carbono ainda são incipientes. Existem fundos (“private equity”) sendo organizados para investir no setor. A idéia é amealhar recursos para investimento em projetos reconhecidos pelo MDL, que possam ser negociados com os “pecadores” interessados em pagar a alguém para cumprir sua penitência. A engenharia financeira se apercebeu da oportunidade, criando “derivativos”, mediante a entrega de certificados de crédito de carbono, para negociação no mercado. Já que não podemos mudar o rito do mercado, o melhor que podemos fazer, no Brasil, é aproveitarmos a oportunidade e investir fortemente em projetos que gerem créditos de carbono, para captação de recursos a serem investidos no país.

 

O autor é Engenheiro Agrônomo, pesquisador da Embrapa Soja. Homepage: www.gazzoni.pop.com.br

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