CI

Comida mais cara


Decio Luiz Gazzoni

O ano de 2003 reservou más notícias para os trabalhadores brasileiros. O desemprego aumentou e a renda diminuiu, movimentos sincronizados descritos nos manuais de Economia. O que não estava no script é que, apesar do desemprego e de salários menores, a comida ficasse mais cara. O custo dos insumos, a logística inadequada e os aumentos de impostos, encareceram a cesta básica, destarte o aumento da produção agrícola.

Repique

O encarecimento foi particularmente violento em janeiro, atingindo 10% sobre o valor de dezembro. O tema é preocupante, pois parcela ponderável do salário de trabalhadores de baixa renda é destinada à alimentação. Por exemplo, na Bahia, a cesta básica para uma pessoa teve o custo estimado em R$143,00, o que equivale a 131 horas e 37 minutos de trabalho de quem percebe salário mínimo (R$240,00, em janeiro). Ou seja, mais da metade do mês, o cidadão trabalhou apenas para ele comer. E o alimento do resto da família? E as outras despesas?

Fome Zero

Não seria difícil estabelecer um programa de médio e longo prazo para erradicar a fome no Brasil, atacando as causas estruturais da falta de emprego e renda, ao invés de focar no assistencialismo. Considerando as variações regionais, a cesta básica do brasileiro tem um custo aproximado de R$150,00, o que confronta a idéia de transferir R$50,00 para famílias de baixa renda familiar. Uma família de 6 pessoas teria um custo estimado de R$900,00 com alimentação. Deduzidos os R$50,00, é necessário matar um leão por dia na batalha pelos outros R$850,00. Por oportuno, o DIEESE estabelece o valor de R$ 837,11 para a alimentação de uma família de 4 pessoas, baseado no Decreto-lei 399.

Composição

Um detalhe que passa desapercebido ao público é que a composição da cesta básica varia de acordo com as preferências e os hábitos regionais. Entretanto, sua “coluna vertebral” é composta de leite, farinha, pão, café, banana, açúcar, óleo, manteiga, carne, tomate, arroz e feijão. Obviamente que a oferta é fundamental para a decisão de compra, até porque o preço é função da disponibilidade. Entretanto, produtos como óleo, açúcar ou café têm seu preço estabelecido no mercado internacional, sendo pouco suscetíveis às variações geográficas ou sazonais, ao contrário do tomate ou banana.

Potencialides

É acaciano que o problema da fome será resolvido com oferta de empregos e a geração e distribuição de renda. Entretanto, um país com as nossas potencialidades naturais, a biodiversidade e a multiplicidade de ecossistemas, pode dar uma mãozinha pelo lado da oferta. Investir em pesquisa agrícola, perscrutando novos alimentos disponíveis regionalmente, e que já fazem parte da nossa cultura e dos nossos hábitos, pode significar uma ponderável redução de custos da cesta básica. Adicionalmente, novos produtos podem dinamizar o nicho preferencial da produção de alimentos básicos, que é a agricultura familiar, dando mais uma volta no circulo virtuoso da geração de empregos e formação de renda.

Saúde

O tema é complexo a ponto de não ser possível dissociar alimento de saúde. E, às vezes, não nos damos conta de quanto a saúde bucal interfere nos hábitos alimentares do cidadão. Embora caso isolado, o drama de Vaneide, uma baiana típica, com 24 anos de idade, provocou-me muita reflexão. Neide não suportava mais a dor de um dente cariado e infeccionado e decidiu extraí-lo. Faltava apenas conseguir os R$10,00 que o dentista cobrava pela extração. - Porque você não trata o dente ao invés de extraí-lo? inquiri. A resposta da Vaneide foi assertiva: - Porque tratar o dente custa R$15,00!. A falta desses R$5,00 (ou US$1,57) para um simples tratamento dentário significa que, dentro de outros 24 anos, Neide terá perdido mais da metade da dentição. O que exigirá mudanças na sua cesta básica, provavelmente concentrada em produtos que dispensem mastigação.

PS. Paguei o tratamento dentário da Neide. Mas quem cuidará dos outros dentes da Neide e das outras Neides para quem a perspectiva de emprego e renda se resume ao discurso dos políticos? Que preferem políticas populistas e assistencialistas a equacionar a matriz do problema da fome?

O autor é Engenheiro Agrônomo, pesquisador da Embrapa Soja. Homepage: www.gazzoni.pop.com.br

Assine a nossa newsletter e receba nossas notícias e informações direto no seu email

Usamos cookies para armazenar informações sobre como você usa o site para tornar sua experiência personalizada. Leia os nossos Termos de Uso e a Privacidade.