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USOS INDUSTRIAIS DA SOJA


Amélio Dall’Agnol

O uso da soja para outras finalidades que não as de alimentar homens e animais não é nova. Já na antiga China se fazia isso, embora em volumes muito pequenos, se comparada às quantidades consumidas para alimentação direta e indireta da população.

No Ocidente, a soja se estabeleceu nos Estados Unidos da América (EUA) nos anos 20, para atender, principalmente, demandas industriais. Ela experimentou considerável êxito na fabricação de adesivos, plásticos e películas protetoras de papel no correr dos anos 20 e 30. Com a crise desencadeada pela Grande Depressão de 1929/30, houve estímulos para o desenvolvimento de produtos industriais à base de soja. Cerca de 200 produtos dessa natureza teriam sido desenvolvidos até pouco antes da 2ª Grande Guerra, quando sua produção foi desestimulada pelo surgimento dos petroquímicos, muito mais eficientes e baratos na fabricação dos mesmos materiais até então fabricados com soja.

A importância da soja para usos industriais não alimentícios voltou a crescer e deverá crescer, ainda mais, com a esperada redução dessas esgotáveis reservas mundiais de petróleo e o conseqüente aumento do seu preço, tornando os produtos industriais de soja mais competitivos. Apenas para ilustrar: em 2001 existiam nos EUA 110 empresas produzindo 300 produtos industriais elaborados a partir da soja. Em 2003, passados apenas dois anos, já eram 250 empresas, produzindo cerca de 400 produtos elaborados com matéria prima de soja.

Além de finito, o petróleo é o maior responsável pelo efeito estufa e outros danos ambientais, enquanto os mesmos produtos elaborados a partir da soja são renováveis, biodegradáveis e, portanto, mais “amigos” do ambiente, o que justificaria defini-los como “química verde”.

Apesar do ainda pequeno consumo de soja para fins industriais (menos de 1% da produção mundial), a demanda poderá crescer sensivelmente com a esperada oferta de novos produtos, desenvolvidos principalmente nos EUA, onde existe uma rede de laboratórios cuja única finalidade é buscar novos usos para o produto. A preocupação dos norte-americanos de encontrar outros usos para a soja e para o milho, dos quais são os maiores produtores mundiais, se justifica pelo aumento da produção desses cultivos mundo afora, o que poderia gerar superprodução, com o conseqüente encalhe dos produtos e queda acentuada dos preços no mercado internacional.

O potencial da soja para fornecer matéria prima para a elaboração de produtos similares aos petroquímicos é enorme, sendo urgente a necessidade de substituí-los por produtos renováveis e ambientalmente mais amigáveis. A soja é uma boa alternativa ao petróleo, tanto na produção do biodiesel, quanto na fabricação de produtos tradicionalmente extraídos do petróleo, como plásticos, tintas, adesivos e lubrificantes. É um fato perfeitamente aceitável entre os pesquisadores norte-americanos da área, que o potencial para desenvolver novos produtos a partir da soja é ilimitado. A única barreira para o crescimento do consumo de tais produtos é seu preço, muito superior aos mesmos produtos fabricados a partir do petróleo.

No entanto, a quantidade de soja necessária para substituir integralmente os petroquímicos nunca será colhida, embora a produção mundial tenha crescido a impressionantes taxas anuais de quase cinco milhões de toneladas ao longo dos últimos 33 anos, passando de 41,8 milhões de toneladas em 1970, para 194 milhões de toneladas na safra de 2003. Mas poderá crescer muito mais, na eventualidade de haver um consumo adicional por conta de novas demandas originadas de usos não tradicionais da soja.

Por enquanto essa demanda é muito pequena, em que pese os mais de 400 produtos industriais já disponibilizados no mercado. O grande destino da soja continua sendo a fabricação de rações para alimentar animais (aves, suínos e bovinos confinados, pela ordem) e a produção de óleo para consumo doméstico (fritura, margarina e maionese). Estima-se que mais de 98% da soja tenha como destino a alimentação de homens e animais. Da soja remanescente, menos de 1% está sendo utilizada para fins industriais, de cujos produtos mais importantes podemos destacar o seguinte:

Lubrificantes e graxas; detergentes e solventes; óleos para motores e óleos industriais; removedores de sujeira; lavadores industriais; adjuvantes para pesticidas agrícolas; emulsificadores para óleos combustíveis; materiais para construção (suprimentos para concreto); isolantes e adesivos; plásticos; massa de vidraceiro; aditivos para o diesel; fluídos hidráulicos, dielétricos, e para trabalhos com metal; vernizes; polidores e ceras automotivas; películas para proteção de concreto, tijolos, madeira e papel; material de limpeza e dispersantes; adesivos para madeira compensada; espuma para extintores de incêndio; antiespumantes; anticorrosivos; materiais para calafetação; poliéster; fibras têxteis; sabões especiais para limpeza de pele; produtos para higiene pessoal; produtos de beleza (loções, xampus, sabonetes); protetores solares; nutrientes para cabelo; antibióticos; substitutos do couro; velas especiais; colas; componentes para carpetes; redutores de poeira e de odores; tintas e componentes para impressão; produtos para tingimento; seladores; reagentes analíticos; creions para desenhar, etc.

O Dr. Harold Kauffmann, Professor emérito da Universidade de Illinois, USA, reconheceu, em recente entrevista a um jornal brasileiro, que o nosso país deverá ser o grande provedor mundial de soja deste século, como os USA o foram no século passado. Os USA, segundo ele, deverão especializar-se na produção de soja com características específicas para atender nichos de mercado, sendo, portanto, um provedor de “soja qualidade” enquanto o Brasil será provedor de “soja quantidade”.

A grande produção de soja das últimas décadas esteve a cargo dos EUA, do Brasil, da Argentina, da China e da Índia, pela ordem. O crescimento mais expressivo deu-se no território dos três primeiros, sendo que os EUA, apesar do crescimento da produção semelhante ao do Brasil e Argentina, tiveram sua participação sobre o total mundial reduzida de 70% em 1970, para 39% em 2003. Participação essa que deverá diminuir ainda mais, uma vez que a área para o plantio da oleaginosa naquele país está esgotada. O Brasil poderia disponibilizar para uso imediato, mais de 50 milhões de hectares apenas nos Cerrados da Região Centro-Oeste, área ainda selvagem e apta à imediata incorporação no processo produtivo da oleaginosa. A Argentina poderá, com muito esforço, agregar mais cinco milhões de hectares à produção de soja, enquanto a China e a Índia têm mais limitações a expandir suas áreas do que os EUA. O mercado sinalizará se e com que velocidade o Brasil agregará essa nova área à produção de soja e outros grãos. Mas tudo indica que, a manter-se o atual ritmo de crescimento da produção nacional, o Brasil tomará dos EUA a liderança mundial na produção de soja, antes que termine a presente década.

É alentador observar que, apesar do expressivo aumento da produção de soja verificado ao longo das últimas décadas, o grão não encalhou no mercado por excesso de oferta. Muito pelo contrário, seu preço reagiu e é o mais elevado das duas últimas décadas, sinalizando claramente que o aumento da demanda e, conseqüentemente, do consumo, está mais acelerado que o da produção. Isto é bom para o Brasil, que poderá incorporar ao processo produtivo da soja as imensas reservas de terras do meio-oeste, ainda selvagens e aptas ao seu cultivo e assim prover o mercado mundial da esperada demanda adicional futura, inclusive aquela que advirá do consumo de biodiesel e outros produtos industriais não alimentares.

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