CI

TENDÊNCIAS DO AGRONEGÓCIO NO PANTANAL E A GLOBALIZAÇÃO DA ECONOMIA


Luiz Marques Vieira

As grandes mudanças ocorridas no cenário internacional, face à globalização da economia, aliada às transformações na estrutura fundiária regional, sinalizam que o Pantanal necessita ajustar o modelo econômico às reais demandas da sociedade, levando-se em consideração o seu potencial produtivo, mas com enfoque na conservação da biodiversidade. Essa nova ótica de produção, encontra respaldo na necessidade de se buscar alternativas para aumentar a rentabilidade sustentável das unidades de produção, tendo em vista a fixação do homem ao campo, ao considerar-se que o tradicional modelo de produção de bovinos de corte não mais atende aos anseios sócio-econômicos do pecuarista e da sociedade em geral.

No passado recente, a economia do Pantanal estava alicerçada na pecuária bovina de corte, desenvolvida em grandes propriedades, em regime extensivo de pastagens naturais e baixo nível tecnológico. Apesar da baixa produtividade do sistema, o grande volume de negócios viabilizado pela extensão territorial das propriedades, viabilizava a manutenção de bom padrão de vida do pantaneiro. Embora as causas de frustações empresariais na região sejam muitas, elas podem ser, resumidamente, atribuídas à baixa rentabilidade do tradicional sistema de produção da pecuária, motivada principalmente pela baixa produtividade da terra e da mão de obra e, do baixo nível de adoção tecnológica. Além disso, o produto ofertado (boi magro) pelo pecuarista não apresentava valor agregado. Não se adotava “marketing” que evidenciasse as boas características sanitárias do bovino pantaneiro, em relação ao das demais regiões do país, tais como a excepcional qualidade do couro e da carne, como conseqüências da baixa incidência de berne e carrapato, motivada por boas condições ambientais e devido à baixa utilização de pesticidas. Pode-se também considerar que o longo e intenso ciclo de cheias (1973/74 a 2002/03), em determinadas sub-regiões do Pantanal, são variáveis que também contribuíram para agravar a situação do agronegócio pecuário no Pantanal.

É interessante constatar que, há alguns poucos anos atrás, os pecuaristas abandonaram o tradicional modelo de produção e comercialização anual de bois magros com 3 a 4 anos de idade e peso vivo médio de 10 a 11 arrobas. Por ser antieconômico, passaram a produzir bezerros desmamados de 7 a 12 meses de idade, com 90 a 110 kg de peso vivo, comercializados, mensalmente, conforme a demanda nos leilões regionais. Tudo indica que essa dinâmica no processo produtivo procurou conciliar a vocação do Pantanal para a fase de cria de bovinos de corte à maior taxa de retorno de capital, melhor fluxo de caixa, tipificação de carcaça privilegiando o produto de qualidade e tamanho atual das unidades de produção. Essa redução na idade de comercialização pode também estar associada a fortes indícios de descapitalização do pecuarista pantaneiro. Estudos econômicos efetivos e sistematizados podem testar essa hipótese. A Embrapa Pantanal e a Embrapa Gado de Corte podem colaborar muito nesse sentido.

No contexto do agronegócio no Pantanal, percebe-se nitidamente a necessidade de buscar novas alternativas de produção e considerar como oportunidades de geração de renda, as amplas possibilidades de utilização sustentável do potencial de serviços ambientais, principalmente do turismo ecológico-paisagístico (contemplativo), pesca amadora, turismo arqueológico e outros. É claro que a decisão de diversificação de atividades econômicas deverá se basear no potencial de sustentabilidade dos ecossistemas regionais e das características intrínsecas das unidades de produção.

Para que o Pantanal possa competir na oferta de seus serviços ambientais, é preciso criar e implementar políticas públicas voltadas para o desenvolvimento e adequar a legislação ambiental às peculiaridades do Pantanal. Além disso, torna-se de fundamental importância o fortalecimento das instituições governamentais, principalmente de pesquisa, com a missão de buscar alternativas tecnológicas para o desenvolvimento ecossustentável desse bioma singular que é o Pantanal.

Dentro do panorama sócio-econômico atual, constata-se que a sobrevivência das unidades de produção localizadas no Pantanal e entorno, está diretamente relacionada com o volume de negócios, produtividade, competitividade e potencial de diversificação da produção em bases ecossustentáveis. É claro que a unidade de produção para ser sustentável deve ofertar produtos e/ou serviços de boa qualidade e a preços competitivos. No caso da unidade de produção, também se dedicar à oferta de serviços ambientais, entende-se que ela deva possuir, preferencialmente, abundância e diversidade de recursos naturais de fauna e flora. A diversidade de ambientes aquáticos e terrestres favorecerá a presença de variadas espécies de peixes, aves silvestres aquáticas e terrestres, bem como de mamíferos e répteis, que constituem o foco de interesse dos turistas. No entanto, em muitos casos, torna-se interessante e recomendável compatibilizar essa modalidade de agronegócio (serviços ambientais) com a pecuária de corte. Tudo indica que a pecuária tradicional está com os dias contados para as pequenas e médias unidades de produção. Nota-se, atualmente que as grandes unidade de produção do passado estão sendo paulatinamente adquiridas pela ONGs. Será isso uma tendência? Ou as ONGs estrangeiras estão vislumbrando algo que os brasileiros ainda não despertaram?

Acredita-se em que a sobrevivência da atividade pecuária, mesmo a inovadora, com a oferta de produtos de qualidade, como por exemplo a de vitelo pantaneiro, (bezerro desmamado com 180 quilos de peso vivo) está muito relacionada, a médio e longo prazos, com a sustentabilidade dos recursos naturais, principalmente pastagens nativas de elevado valor nutritivo, para atender às demandas dos bezerros na fase de crescimento mais intensivo.

Para que o novo modelo de produção se concretize, torna-se necessário modernizar os conceitos e adotar sistemas mais produtivos e competitivos do que os atualmente em uso pelos atuais pecuaristas e que sejam pouco agressivos ao ambiente. Com isso não estamos afirmando que os pecuaristas pantaneiros são agressivos ao meio ambiente, pelo contrário, foram capazes de conviver com a natureza por mais de 200 anos sem causar significativas alterações no ecossistema.

Com relação a pecuária bovina de corte no Pantanal, tudo indica que a adoção de tecnologias de produção ecossustentáveis e compatíveis com a realidade regional deve constituir a base do agronegócio. Técnicas simples de administração e gerência de propriedades rurais podem ser adaptadas às peculiaridades regionais, aliadas a práticas de manejo nutricional, reprodutivo e sanitário do rebanho, sem onerar de maneira significativa o custo de produção. No entanto, percebe-se que a implementação desse modelo simples, depende de sensibilidade empresarial, vontade, criatividade e capacidade do produtor para eleger e ajustar as tecnologias em consonância com a dinâmica dos novos agrossistemas. Nessas questões a Embrapa Pantanal e a Embrapa gado de Corte poderão ajudar muito àqueles pecuaristas mais sensíveis e capazes de vislumbrar novos horizontes com a adoção de tecnologia. É óbvio que a sustentabilidade dos novos sistemas de produção demanda a utilização de técnicas de manejo dos recursos naturais sem perder de vista a sua dinâmica temporal produtiva. Para que isso se efetive, é necessário que a tecnologia gerada esteja validada e disponível. Na maioria dos casos isso implica num meticuloso processo de geração e transferência de tecnologia, que demanda recursos humanos bem treinados, além de recursos financeiros para custeio e investimentos em infraestrutura e equipamentos de pesquisa.

Será que as instituições que têm a missão de contribuir para o desenvolvimento sustentável dessa região estão efetivamente estruturadas e contando com massa crítica de recursos humanos e financeiros suficientes para custeio e infra-estrutura indispensável para, de fato, gerar e transferir os conhecimentos e tecnologias que a sociedade tanto demanda? Além disso, é preciso sempre refletir e avaliar se o que estamos gerando está efetivamente atendendo aos anseios da comunidade e, se não for o caso, que tenhamos a humildade para redirecionarmos a nossa agenda de pesquisa. Mas, o que não se pode é perder o rumo do desenvolvimento sustentável. No entanto, constatamos que muitas pesquisas nunca saem dos conhecimentos básicos. É preciso lembrar que a pesquisa com enfoque em sistema de produção, na verdade contempla a ciência básica como forma de se desvendar pontos de estrangulamento de determinado sistema de produção. Na verdade são etapas importantes que ainda não estão bem entendidas, entretanto caracterizam como relevantes para nortear o funcionamento do novo sistema de produção, mas que ainda não se encontram disponíveis na literatura. É muito freqüente detectar pesquisas delineadas não para resolver determinado problema real, mas para satisfazer uma efêmera curiosidade do pesquisador ou até mesmo para dar continuidade aos estudos desenvolvidos na sua tese de mestrado ou doutorado.

Muito embora haja crescente demanda do mercado nacional e internacional para produtos naturais de elevada qualidade, muito pouco ou quase nada tem sido efetivamente realizado nesse sentido. É um dos segmentos ainda escassamente explorados e que parece oferecer boas perspectivas. A Embrapa Pantanal, em parceria com outras unidades descentralizadas também da Embrapa, poderão desempenhar papel de destaque nessa questão e ajudar muito. As preferências de mercados por produtos agropecuários com padrão de qualidade certificada, tanto em termos zootécnicos quanto ecotoxicológicos, ainda se constitui numa das grandes alternativas sócio-econômicas para muitas fazendas e pequenas propriedades rurais localizadas no Pantanal e no seu entorno.

A criação de animais silvestres, em cativeiro, talvez possa se constituir numa excelente fonte adicional de renda, pois existem solos de boa fertilidade, topografia adequada com potencial para produzir grande parte dos alimentos necessários para alimentação dos animais em criação. Além disso, no caso das propriedades localizadas nas bordas do Pantanal, há atualmente maiores facilidades para transporte de insumos e para comercialização da produção. Há informações de que os restaurantes finos, frequentados pelas elites das metrópoles brasileiras e do exterior privilegiam esses produtos, comercializando-os a preços bem mais elevados, em relação a outros tipos de carnes como a bovina, suína, caprina, ovina e de aves. Comenta-se que mesmo com preços elevados a demanda é maior do que a oferta. Será que os pequenos fazendeiros, se organizados em associações ou cooperativas, não poderiam vislumbrar essa alternativa como factível?

Parece que a diversificação da produção agropecuária no Pantanal constitui- se numa alternativa inteligente para driblar a política perversa destinada ao setor agropecuário, que muitas vezes não consegue responder com eficácia, face os índices de crédito rural estabelecidos, além dos elevados impostos estabelecidos pelo governo. As políticas de preços mínimos, nem sempre ajustadas às realidades e peculiaridades dos produtores rurais, que, em muitas regiões, estão descapitalizados e desestimulados e, por isso, acabam abandonando o campo, dirigindo-se para os grandes centros urbanos. Parece que estamos passivamente assistindo ao crescimento e à intensificação do êxodo rural brasileiro e à descontrolada formação de grandes favelas nas periferias das grandes cidades. Os sem terras procedentes da zona rural, aliados aos desempregados das áreas urbanas invadindo as propriedades particulares e a reforma agrária, dissintonizada da realidade sócio-econômica brasileira, continua proliferando sem resultados palpáveis em muitas regiões do Brasil. Muito embora a pecuária bovina de corte em sistemas de produção extensivos, tenha se perpetuado por mais de 200 anos no Pantanal e periferia como a principal atividade econômica, há fortes indicativos de que o panorama terá que mudar rapidamente nos próximos anos. Caso contrário, aqueles que insistirem naquele modelo, provavelmente serão obrigados a vender suas terras e consequentemente mudar de atividade.

A necessidade de se implementar sistemas de produção alternativos e diversificados, demanda tecnologia testada para que sejam economicamente rentáveis e competitivos. Além disso, devem estar embasados na utilização sustentada dos recursos naturais e demandar investimentos compatíveis com a realidade do empreendimento, e se possível giro rápido de capital. Com essas premissas, talvez a criação de pequenos animais se constitua numa das alternativas econômicas para se incrementar a rentabilidade das pequenas propriedades e assentamentos rurais localizados nas bordas do Pantanal. Vários autores têm sugerido que a criação de capivaras em regime intensivo ou semiextensivo pode constituir-se numa alternativa econômica adicional interessante e rentável, se integrada às atividades da propriedade rural. A criação de abelhas, pode também ser uma alternativa interessante, não somente para os pequenos empreendimentos, pois as condições ambientais do Pantanal são favoráveis produção de mel que pode ser competitivo se oferecer as qualidades demandadas nos produtos naturais, atualmente tanto procurados pelos mercados mais exigentes.

___________________________________________________________

Luiz Marques Vieira ([email protected]), Engenheiro Agrônomo, MSc. em Zootecnia e Doutor em Ecologia. É Pesquisador da Embrapa Pantanal na área de Qualidade Ambiental.

Assine a nossa newsletter e receba nossas notícias e informações direto no seu email

Usamos cookies para armazenar informações sobre como você usa o site para tornar sua experiência personalizada. Leia os nossos Termos de Uso e a Privacidade.