Em junho de 2023 foi realizada em Viena, Áustria, a XI Conferência Mundial de Pesquisa de Soja (WSRC, na sigla em inglês). Do ponto de vista de conteúdo técnico ou científico, o Congresso Brasileiro de Soja, promovido pela Embrapa Soja, nada fica a dever à programação da WSRC; ao contrário, em muitos aspectos é mais relevante para os nossos interesses. Entrementes, a Conferência se mostrou uma excelente oportunidade para discutir e entender aspectos importantes da cadeia da soja, como políticas públicas de outros países ou blocos, as questões ligadas à sustentabilidade, a percepção sobre o Brasil, o comportamento do mercado (oferta, demanda e preços) nos próximos anos, a produção de soja na Europa, entre outros temas que nos interessam.
Preocupação com sustentabilidade
O tema central da Conferência foi “Soybean Research for Sustainable Development” (Pesquisa de soja para o desenvolvimento sustentável). Por coerência, as duas palestras plenárias, de abertura da Conferência foram “Optimization and minimization towards sustainable soybean production” e “Classical and modern technologies used world-wide for sustainable soybean production” (Otimização e minimização em busca de sistemas de produção sustentáveis de soja e Tecnologias modernas e clássicas para produção sustentável de soja, em escala global).
De acordo como Diretor da FAO, Jingyuan Xia, que apresentou a primeira palestra, os elementos-chave para promover a futura produção sustentável de soja são: 1) planejamento estratégico baseado em princípios de otimização e minimização; 2) sinergia técnica global nos níveis regional e nacional; 3) envolvimento de várias partes interessadas, incluindo pesquisa e academia, extensão e educação, ONGs, setor privado e organizações de desenvolvimento; 4) compartilhamento de conhecimento entre diferentes partes interessadas; e 5) cooperação internacional.
A produção sustentável de soja depende do uso de tecnologias adequadas, organizadas em sistemas de cultivo sustentáveis, foi o tom da segunda palestra, proferida pelo Dr. Istvan Rajcan, do Canadá. Ele salientou a importância de ferramentas modernas de pesquisa, como fenotipagem genômica e de alto rendimento, usadas no suporte ao melhoramento da soja, para compor sistemas de produção de soja sustentáveis.
ONGs
Seguiram-se outras apresentações, incluindo ONGs ambientalistas, nas quais o tom foi mais estridente. Guillaume Tessier (WWF Brasil) apontou que cadeias insustentáveis de fornecimento de soja continuam a contribuir para altas emissões de carbono, destruição de habitats, declínio da biodiversidade e violação dos direitos humanos em vários biomas ao redor do mundo. Segundo ele, a conversão de áreas de vegetação nativa, para cultivo de soja, é responsável por 5 a 14% das emissões de mudanças no uso da terra, destacando o impacto da rápida expansão da produção de soja na natureza e nas pessoas, no Brasil. Acentuou que os elos da cadeia de valor da soja devem implementar uma cadeia de suprimentos ética, com sistemas de rastreabilidade, monitoramento, relatórios e verificação.
De sua parte, Ursula Bittner (Greenpeace, Viena) denunciou que o consumo europeu de soja vincula a economia europeia ao desmatamento nos países exportadores. Em consonância, defendeu a regulamentação da UE sobre cadeias de suprimentos que sejam livres de desmatamento, salientando ser um marco no caminho para a regulamentação adequada das importações para proteger as florestas. Essa regulamentação da UE proíbe a importação de produtos agrícolas cultivados em áreas desmatadas após 31/12/2020.
Segundo Mrs. Bittner, o desmatamento contínuo e a conversão de habitats para áreas agrícolas são evidências claras de que os esquemas de certificação para commodities não são instrumentos adequados para lidar com o desmatamento, a degradação florestal e os abusos de direitos humanos associados.
Ameaça ao comércio
A aplicação de normas e regras unilaterais é péssima para o comércio internacional e, seguramente, servirá de tumba para a Organização Mundial do Comércio. Essas questões necessitam ser discutidas em rodadas de negociação entre os dirigentes dos países ou blocos interessados. Essa foi a posição defendida por participantes de países exportadores de soja, mormente Brasil e Argentina.
Saliente-se que a União Europeia está implementando um “Plano de Proteína”. A autossuficiência proteica da UE tem estado presente na agenda de discussão de políticas públicas da UE há várias décadas. Recentemente, o foco político na dependência da UE de proteínas importadas aumentou no contexto dos objetivos do Green Deal (https://bit.ly/448jEPn) e como consequência do planejamento de contingência da UE, após crises como a pandemia de COVID-19 e a invasão russa da Ucrânia. O Green Deal tem como objetivo central transformar a UE em uma economia moderna, eficiente em termos de recursos e competitiva, garantindo zerar a emissão líquida de gases de efeito estufa até 2050, com um crescimento econômico dissociado do uso de recursos não renováveis. O Green Deal dispõe de um orçamento de € 600 bilhões no período 2023-26.
No bojo do Plano de Proteína, a União Europeia está expandindo sua produção de soja. Na última safra, a área cultivada superou um milhão de hectares, com produção próxima a três milhões de toneladas. Os principais países produtores são Itália, França, Sérvia, Romênia e Áustria. O plano prevê incrementos continuados, nas próximas safras.
Pelo exposto, a União Europeia precisa deixar muito claro para o mundo que não está havendo contaminação de discursos, propostas e regulamentações que objetivem a sustentabilidade da produção agrícola, por sua política pública de autossuficiência proteica. Para tanto, nada melhor que uma discussão diplomática transparente, para que não pairem dúvidas sobre as reais motivações do esforço pró-sustentabilidade.
O autor é engenheiro agrônomo, pesquisador da Embrapa Soja, membro do Conselho Científico Agro Sustentável e da Academia Brasileira de Ciência Agronômica.