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Soja: sobe ou não?



IZNER HANNA GARCIA

SOJA SOBE OU NÃO?

 

Izner Hanna Garcia

 

            Com a expansão das mídias sociais e tecnologia tem-se hoje uma verdadeira inundação de matérias, artigos, comentários, lives, posts, entrevistas e etc. que tratam de qualquer assunto e, claro, das commodities agrícolas, em especial a soja.

            Ao produtor, contudo, de tudo que é dito e detalhado a pergunta que fica ao final é uma só: qual a tendência do mercado? Sobe ou caí?

            Evidente que não sendo desonesto ou idiota não há como afirmar uma condição futura do mercado com absoluta certeza.

            Tal e qual a previsão meteorológica há em toda análise (algumas mais outras menos) uma análise de fatores (dados) e, assim, a indicação de probabilidades futuras de se concretizar um cenário.

            Refletindo acerca do mercado de commodities, não só agrícolas, devemos considerar alguns fatores que estão vigentes atualmente.

            São eles:

 

  • Guerra Ucrânia x Rússia
  • Inflação global
  • Quebra da safra 21/22 da América do Sul

Este tripé de fatores geram um triângulo que contêm e condicionam o mercado.

É de se notar que 2 fatores são completamente inauditos: a inflação global (a pior nos últimos 40 anos) e a Guerra Ucrânia x Rússia que envolve uma superpotência militar.

Assim, de antemão, tenhamos compreensão que as variantes que afetam o mercado são terreno não conhecido para o mercado.

Dito isso analisemos um a um cada ponto.

A GUERRA DA UCRÂNIA x RÚSSIA é um ponto de inflexão não pensado e não vivenciado pela nossa história contemporânea até mesmo se considerarmos a 1ª e 2ª Guerras Mundiais.

Por que?

Simplesmente porque este conflito representa um enfrentamento, em última instância, do Ocidente vs. Oriente. Se pensarmos nas Guerras Mundiais e nas outras guerras ao longo do século XX (Vietnã, Coréia, Iraque e Afeganistão, etc.) sempre a disputa foi entre “ocidentais”. A Guerra Fria, que era um enfrentamento Rússia (ex União Soviética) versus Ocidente não chegou a desdobrar-se em um teatro militar direto como hoje está ocorrendo na Ucrânia.

Ademais, não devemos esquecer que até aqui a China, Índia e sudeste asiático praticamente ‘não existiam’ no mercado já que até o fim da 2ª Guerra simplesmente eram colônias de países ocidentais.

Reflitam que hoje não só há um teatro “quente” de guerra como também China, Índia e sudeste asiático têm um peso no mercado global que não pode ser menosprezado.

Enfim, a Guerra Rússia x Ucrânia criou um cenário de choque de oferta em duas frentes básicas: trigo e energia.

Somente para termos em conta: Rússia e Ucrânia concentram 30% da exportação de trigo para o mercado mundial e 80% de óleo de girassol.

Em relação à energia a Rússia era, até as sanções impostas com a guerra, a principal fornecedora de energia (petróleo e gás) para a Europa. Assim, não só porque a Rússia é o 3º produtor de petróleo mundial mas principalmente porque sua produção é estratégica para a Europa, a guerra representa um choque de oferta brutal e impensado no mercado.

O reflexo?

Não é necessário olhas as cotações recordes do petróleo e do trigo. Basta irmos ao posto de gasolina e à padaria para sentir o aumento do custo que representa este choque conjugado do trigo e do petróleo.

Assim, o mundo sofre um verdadeiro choque de oferta no trigo, diretamente e no petróleo embora não seja desprezível o choque também no milho, visto que tanto Ucrânia como Rússia são grandes produtores.

Mas a ‘história’ não termina só no choque de oferta do trigo e petróleo.

Há o choque também na produção e logística de fertilizantes, que a Rússia é a maior fornecedora global.

Embora o EUA esteja tentando minorar estes efeitos, inclusive com a venda de estoques estratégicos para segurar os preços do petróleo, o fato é que petróleo e gás vêm em uma curva de alta que, a continuar a guerra, irá se agravar no inverno do hemisfério norte.

Neste cenário a continuidade da guerra, ao contrário do que se alardeia, é extremamente danoso ao Ocidente em especial, mais ainda porque o aumento do custo de energia e alimentos tem reflexos muito mais severos aos governos ocidentais que, como democracia, tende a sofrer o custo político da insatisfação popular, fato que a Rússia pode, devido ao seu regime político, lidar com mais facilidade.

INFLAÇÃO GLOBAL, que é uma realidade não vista pelos norte americanos desde 1980, tornou-se um calcanhar de Aquiles para as economias ocidentais capitalistas.

Saindo da pandemia, onde os Bancos Centrais (principalmente o FED norte americano e o Banco Central Europeu) injetaram trilhões (literalmente) em incentivos monetários para fazer frente à crise ocasionada pela Covid, sobreveio justamente a guerra com o tremendo aumento do petróleo e alimentos.

É plausível imaginar que o planejamento financeiro seria ‘absorver’ estes trilhões derramados na economia de modo gradual, sem grandes traumas, como foi feito (em muito menor escala) na crise do subprime de 2008.

Contudo, os planos humanos nem sempre saem como se planeja. Faltou, para lembrar Garrincha, “combinar com os Russos”.

Com a guerra, a reação do Ocidente aplicando as sanções, criou-se o choque de oferta na área de energia e de alimentos, com substanciais aumentos de preços que, se não revertidos, provocam uma retroalimentação da inflação de maneira estrutural e não conjuntural.

A QUEBRA DA SAFRA DA AMÉRICA DO SUL foi um fator aleatória à vontade e ação humana mas que, na conjuntura, veio a somar aos dois fatores anteriores como agravante.

Tenhamos em mente que a seca na América do Sul “tirou” do mercado algo como 25 a 30 milhões de toneladas de soja, fora os demais grãos.

Tal resulta que os estoques de grãos não foram recompostos. Ao inverso, os estoques diminuíram em todo mundo.

Deste modo, não é difícil intuir e concluir que os 3 fatores conjugados resultam em imenso desafio global não só de preços mas mesmo de suprimento.

Tentar dourar a pílula ou adoçar o remédio pensando que Rússia irá concordar em liberar portos para exportação de grãos ucranianos sem que receba concessões como contraparte, é ser demasiado ingênuo.

Dizer que o surto de covid na China significará menos consumo (demanda) de produtos agrícolas é ser igualmente crente. Basta ‘olhar’ para 2020 e 2021 durante o auge da pandemia e ver o que aconteceu, se houve queda de consumo de alimentos. Afinal, em quarentena ou não, todos não têm de comer?

Pensar que a Guerra irá desescalar quando o EUA anunciam o envio de mísseis de longo alcance à Ucrânia é não compreender nada da Rússia.

Mesmo, eventualmente, uma supersafra no EUA (o que ainda falta muito para que tal chegue ao mercado se tudo der certo) não terá o condão de suprir a demanda e recompor os estoques mundiais de grãos.

Diante de todo este quadro muito além do mercado e dos preços muitos países têm de lidar com a situação em termos geopolíticos já que o abastecimento alimentar é ponto fundamental.

As proibições de exportação de grãos, como na India, são um prenúncio do que pode vir a acontecer.

Ainda, permeando todo este cenário, há o brutal aumento dos custos dos insumos e fertilizantes que comporão os custos das novas safras doravante.

Não menos importante devemos lembrar que o complexo da soja hoje não é só destinado à alimentação (seja humana ou animal) mas sim integrada à política de biocombustíveis.

Com o petróleo e gás atingindo picos de preço o incentivo, o apelo e a necessidade pode impor que se aumente a mistura do grão aos combustíveis. Caso exemplificativo é o que está passando na Argentina que convive com aguda falta de diesel e pode ser levada a aumentar o biodiesel.

Sem falar no milho que, principalmente no EUA, é destinado à produção de etanol e, de novo, com o preço do petróleo, pode ser “tirado da mesa” para virar combustível.

Por tudo isso, a perspectiva para a soja em especial e para as demais commodities agrícolas e de energia, indicam somente uma curva: alta.

Izner Hanna Garcia, pós graduado FGV

https://fazendasnouruguai.com/

[email protected]

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