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Questão Agrária, a outra faceta


Decio Luiz Gazzoni

Dia desses um amigo meu encontrou um ex-colega da Embrapa, agora proprietário rural. Brincou com ele: - Cuidado companheiro, que eu vou invadir a tua fazenda! O interlocutor respondeu de bate pronto: - Invadir é fácil, quero ver você tirar o teu sustento da terra!

 

Com terra, cada vez menos gente

Os produtores rurais eram quase 7 milhões de americanos pós recessão de 29, viraram 3,5 milhões na época do Woodstock e hoje giram em torno de 2 milhões – uma redução média de 1% ao ano. Na França, 2 milhões de agricultores sobreviveram à chacina hitlerista, mas não resistiram às pressões do mercado e hoje mal passam de 500 mil – contração de 1,2% ao ano. No restante da Europa a população agrícola contraiu espantosos 3% na era OMC. No Japão, os índices também são assustadores. No Primeiro Mundo, a agricultura é considerada “ocupação de velho ou duplo emprego”. A agropecuária não possui o mesmo dom de atrair jovens, como no início do século passado. Apesar dos subsídios, a renda dos módulos máximos de 40 hectares das propriedades não é suficiente para o sustento familiar, obrigando o proprietário a ter outra fonte de renda, fora da agropecuária, apesar da idade avançada.

 

Competitividade

A menos que o bom Deus abra uma concessão especial, vivo não estarei em 2050 para discorrer sobre um eventual novo paradigma para a questão agrária. Pode ser que até lá a coisa mude, porém, nos dias de hoje, a competitividade é fruto de alguns fatores essenciais como extensão da área, agregação de valor, tecnologia adequada, capacidade de gestão dos fatores de produção e habilidade negocial. A extensão da área é modulada pelo valor intrínseco do cultivo ou da criação. Nos extremos, grãos ou gado exigem enormes áreas, cogumelos podem ser cultivados no quintal. Porém, na ausência dos demais fatores, o empreendimento estará, inexoravelmente, fadado ao insucesso.

 

Os com terra e seus dramas

Em toda a cadeia produtiva, agrícola ou não, o grande embate entre seus elos ocorre pela maximização da apropriação das margens. Qualquer ganho de produtividade, ou redução de custos, é disputado ferozmente no seio da cadeia. Normalmente, os elos mais fortes são constituídos (na ordem) pelo Governo, os processadores e os distribuidores. O Governo dispõe do poder de criar e aumentar taxas e impostos, drenando recursos do sistema produtivo até o limite de seu comprometimento. Os processadores aproveitam-se da agregação de valor para vilipendiar a matéria prima e valorizar o produto final. E os distribuidores dispõem da vantagem de serem poucos conglomerados, de grande porte, com enorme poder de negociação de preços e margens. Sem contar os produtores de insumos pois, para cada 10% de aumento no preço do produto agrícola, os insumos aumentam, no mínimo, 30%!

 

Produtor e seus riscos

Não há outra atividade econômica que embuta tantos riscos quanto a agropecuária. Entre eles estão os riscos climáticos, os sanitários, a infra-estrutura inadequada, as externalidades comerciais ou políticas que deprimem preços, as poucas alternativas de financiamento da produção, entre outros. A concentração de atividades em alguns períodos do ano tira do produtor o poder de barganha; a sua dispersão geográfica conduz à falta de união e organização adequadas para o processo de compra de insumos e comercialização da safra.

 

E os com-terra?

A competitividade do produtor moderno repousa em alguns itens, como descrito acima. Não há como fugir da escala, seja ela escala fundiária para produtos de baixo valor intrínseco, do cultivo de produtos de alto valor intrínseco ou a agregação de valor. Em todos os casos é fundamental o domínio da tecnologia agrícola, o que exige cada vez mas conhecimento, preparo e sofisticação. Por outro lado, sem o domínio de técnicas de administração de fatores de produção e de capacidade de negociação, o agricultor também estará fadado ao insucesso. Por isso, o corolário da pergunta lá do primeiro parágrafo é: E quem luta pela causa dos com-terra?

 

O autor é Engenheiro Agrônomo, pesquisador da Embrapa Soja. Homepage: www.gazzoni.pop.com.br

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