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Produzir sem poluir


Decio Luiz Gazzoni

Em meus idos tempos de universitário (e ponha idos nisto!), fui partícipe de um dos embates precursores da onda ambientalista que varreria o mundo. Instalara-se em Guaíba, região metropolitana de Porto Alegre (às margens do estuário que forma a Lagoa dos Patos), uma indústria de celulose e papel, de capital norueguês, chamada Borregaard. O movimento civil exigia o fim das operações da indústria. Foi negociado um meio termo, com a instalação de filtros e alterações de processos industriais, que atenderam aos reclamos da população. Sem demérito para a luta pioneira, hoje verifico que lutávamos mais contra a catinga trazida pelo vento sul, que atormentava nosso olfato sensível, que por um sistema de produção sustentável e integrado ao ambiente.

Sustentabilidade

Produzir sem degradar o ambiente é um desafio constante. No caso da indústria de papel e celulose, este desafio permeia a cadeia produtiva. Inicia com a derrubada das árvores e prossegue com o branqueamento da polpa da celulose, o que significa utilizar substâncias tóxicas. Ou significava, pois pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB) desenvolveram um processo sucedâneo que elimina o uso de poluentes, substituindo-os por enzimas (xilanases), produzidas por diversas espécies de fungo, em especial Acrophialophora nainiana.

Processo clássico

Para extração da matéria prima, a madeira é mergulhada em um caldeirão de vapor d'água a 40º.C. Desse procedimento surgirá a polpa da celulose, formada por células vegetais em fibras entrelaçadas, que resultarão no papel. Para obter um papel de boa qualidade necessita-se de uma polpa branca e de alto brilho. Para tanto, é preciso clareá-la, removendo a lignina e seus derivados. O branqueador utilizado é o cloro, que converte a lignina residual da polpa em produtos solúveis em água. Os subprodutos resultantes são substâncias orgânicas cloradas, que podem ser tóxicas, mutagênicas e persistentes. Se lançados nos rios, esses poluentes podem contaminar a água e os peixes e causar prejuízos aos ecossistemas.

Inovação

Os pesquisadores brasileiros inspiraram-se em processos similares, utilizados na Finlândia, EUA e Canadá. Os resultados do estudo brasileiro mostraram que os papéis branqueados pelas enzimas micóticas possuem boa alvura e a mesma resistência ao rasgo que aqueles produzidos com o método convencional. Na análise de brilho, de acordo com o papel que se deseja obter, o novo processo redunda em maior qualidade. No processo convencional de branqueamento, o uso de xilanases poderia reduzir em até 30% o uso de cloro e organoclorados. No entanto, algumas empresas adotam alternativamente ozônio e oxigênio no branqueamento, para reduzir a utilização de poluentes. Nesses casos, além de diminuir a quantidade de organoclorados, o uso de xilanases permite também melhorar as propriedades da polpa.

Economia e ambiente

O A. nainiana é um fungo filamentoso comum na região central do Brasil e pode ser encontrado na madeira em processo de decomposição e em fontes térmicas. Outras espécies de fungo também produzem xilanases, nem sempre apropriadas para o uso no branqueamento da polpa de papel. A enzima da A. nainiana é especialmente adequada por ter baixo peso molecular, pH em torno de 7 e por permanecer estável em meios quentes. Ela pode, assim, ser mais bem aproveitada no processo de branqueamento do papel em altas temperaturas.

Custo

Por se tratar de uma técnica ainda não muito explorada, a demora das indústrias brasileiras à sua adoção se deve, sobretudo, ao aumento dos custos. Embora o processo ainda seja mais caro, a tendência é que, com a adoção da tecnologia, em um curto espaço de tempo ele seja barateado, seja pelo ganho de escala ou pela curva de aprendizagem do processo. Entretanto, embora o custo econômico privado seja mais alto, o custo ambiental coletivo é muito menor e este aspecto necessita ser considerado.

O autor é Engenheiro Agrônomo, pesquisador da Embrapa Soja. Homepage: www.gazzoni.pop.com.br

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