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POTENCIAL DO AGRONEGÓCIO NO PANTANAL E A DEMANDA POR TECNOLOGIAS


Luiz Marques Vieira

Na planície sedimentar do Pantanal (140 mil Km2), susceptível ao alagamento anual, durante mais de 200 anos, a pecuária bovina de corte, em grandes propriedades e regime extensivo de pastagens naturais e baixo nível tecnológico, foi a única atividade de expressão sócio-econômica. O elevado volume de negócios, face ao tamanho das unidades de produção, compensava, em termos financeiros, a baixa produtividade. A genética do rebanho, em termos de potencial de crescimento, expressa em ganho em peso vivo dos bois magros comercializados não constituía preocupação do produtor nem demanda relevante do elo subseqüente da cadeia da carne. Atualmente, o cenário é bem diferente. Apesar da pecuária continuar sendo a principal atividade sócio-econômica da região do Pantanal, o baixo volume de negócio gerado na maioria das unidades de produção, não é mais suficiente para viabilizar a manutenção do produtor e a infra-estrutura pertinente à atividade, apenas com a renda proveniente da pecuária. Constituem exceções aquelas empresas que realizam as três fases do processo de produção (cria, recria e engorda), em unidades distintas.

 A baixa produtividade, expressa no desfrute do rebanho, entre outros fatores, é conseqüência da tardia idade da novilha à primeira cria (4 anos), longo intervalo entre partos (22 meses), baixo índice de natalidade (54%) e de desmama (43%), e elevada mortalidade, principalmente de bezerros (15%). Os bezerros desmamados de 10 a 12 meses de idade, acarretam prolongado desgaste nutricional nas vacas e contribuem, decididamente, para reduzir a taxa de reconcepção. Além disso, o baixo valor nutritivo dos pastos nativos, a ocorrência de dois períodos de restrição alimentar, um na seca (julho a setembro) e outro nas chuvas (dezembro a março), por alagamento das pastagens, são também variáveis que interagem e contribuem para a baixa produtividade do rebanho pantaneiro. Há ainda que se considerar a existência de elevado índice de vacas com características de más criadeiras e que devem ser descartadas por serem pouco produtivas ou mesmo improdutivas. Este é um aspecto de grande importância e que demanda atenção especial do produtor, pois o sucesso da seleção para incrementos de produtividade, depende da sua eficácia.

 Além dessa realidade de baixa eficiência do sistema de produção utilizado, o que mais efetivamente, está acontecendo com a pecuária de corte no Pantanal? Quais as alternativas e perspectivas ?

Primeiro, há que se entender que o processo natural de sucessão de terras está realizando a reforma agrária no Pantanal. Grandes unidades de produção que, no passado, tinham de 4 a 12 léguas quadradas, ou seja, de 14.400 a 43.200 hectares, encontram-se atualmente, por subdivisão de herança, reduzidas a médias e pequenas unidades de produção, que se tornam cada vez mais inviáveis economicamente. Isso ficou evidenciado em estudo da Embrapa Pantanal, em 1985, onde se mostrou que 12% das grandes propriedades possuem área igual ou maior que 10.000 hectares, correspondendo a 56% da área total e que 69% possuem superfície de 1.000 a 10.000 hectares, o equivalente a 43% da área total.

 É bem provável que os empresários que insistirem em manter o mesmo nível tecnológico adotado no passado numa propriedade considerada pequena (abaixo de 2 léguas quadradas = 7.200 hectares), sem dúvida alguma, terão que abandonar a atividade em futuro próximo. É claro, por outro lado, que muitos empresários de visão, estão investindo no Pantanal, muitas vezes aglutinando pequenas unidades de produção caracterizadas como improdutivas para manter o princípio de “escala”, tendo em vista a redução de custos. Essa sugere ser a tendência atual da reorganização espacial das terras no Pantanal.

 Segundo, há que se entender que os grandes mercados consumidores de carne bovina, devido à globalização da economia, apresentam exigências sanitárias, sociais e ambientais, e que, portanto, muitas delas devem ser atendidas ainda nos elos iniciais do sistema produtivo. Essa demanda não mais permite que o empresário produtor primário, se mantenha divorciado dos elos subseqüentes da cadeia produtiva da carne. Em vista disso, o planejamento do agronegócio deve estar muito bem alicerçado em princípios e conceitos econômicos, sociais e ambientais, para que os produtos apresentem boas perspectivas de competitividade, principalmente nos mercados mais exigentes.

 Preocupada com esse cenário, a Embrapa Pantanal tem atuado num programa de pesquisa com o foco voltado para o incremento de produtividade do sistema de produção de bovinos de corte da região. Para atingir esse objetivo, está continuamente desenvolvendo e avaliando, desde meados da década de 70, uma série de tecnologias simples e de baixo custo, e obtendo interessantes retornos econômicos com baixo impacto ambiental.

 Entre os pontos de estrangulamentos detectados no sistema de produção estão os baixos índices de natalidade e de desmama de bezerros, que constituem variáveis muito sensíveis do sistema e por isso, devem constituir o foco das atenções dos empresários e por conseguinte, pesquisadores. As causas determinantes devem ser questionadas e investigadas. Assim, os estudos estão focados no manejo nutricional, reprodutivo e sanitário, buscando-se entender os efeitos comportamentais das principais variáveis que atuam no sistema e suas principais interações, sem perder de vista a questão ambiental, face à necessidade de manutenção da biodiversidade, principalmente das pastagens naturais para a manutenção da sustentabilidade do ecossistema.

 Não há dúvida de que o caminho a ser percorrido é o da introdução gradual de tecnificação no sistema, sem perder de vista as relações de custo e benefício. Entende-se que a incorporação das informações e tecnologias geradas, adaptadas e testadas pela Embrapa Pantanal ao sistema produção regional, constitui uma das opções para obtenção de sucesso do agronegócio no Pantanal.

 Para citar um exemplo, quando as unidades de produção no Pantanal, possuíam 10 léguas de superfície e poucas subdivisões, a relação touro/vaca era de 1:10. A redução no tamanho das propriedades vem ocorrendo paulatinamente, mas, até hoje, alguns pecuaristas ainda insistem em manter a mesma relação touro/vaca adotada no passado. Não é preciso dizer que os investimentos em bons reprodutores refletem significativamente no custo de produção dos bezerros. Muitos pecuaristas utilizam touros  provenientes de pontas de boiadas, produzidos no Pantanal, que são incapazes de promover impacto genético significativo nas características produtivas do rebanho. A Embrapa recomenda a substituição desses reprodutores por touros provenientes de linhagens geneticamente comprovadas, tendo em vista o maior ganho genético e melhor retorno econômico na comercialização.

 É interessante ressaltar que estudo realizado pela Embrapa Pantanal, embora não tenha detectado diferença no número de bezerros nascidos, quando utilizadas as relações touro/vaca 1:10, 1:25 e 1:40, evidenciou impacto econômico potencial no sistema de criação extensivo do Pantanal, demonstrando que ocorre subutilização de touros na relação 1:10. Mostrou, ainda, que as proporções de touro/vaca 1:25 e 1:40, evidenciaram reduções dos custos de produção do bezerro nascido em 60% e 75%, respectivamente. Fica aqui evidenciado um caso real de manejo reprodutivo no Pantanal que pode ser adotado na unidade de produção e com potencial de grande impacto econômico regional.

 No Pantanal, os touros permanecem com as matrizes durante todo o ano. A utilização da monta natural controlada, viabiliza a concentração de nascimentos numa estação mais favorável do ponto de vista nutricional e de manejo geral do rebanho, em relação às condições ambientais da unidade de produção.

Somam-se às tecnologias citadas que a Embrapa Pantanal desenvolveu, uma série de formulações minerais específicas para algumas sub-regiões do Pantanal com potencial de incrementar a taxa de desmama de bezerros em até 10% em pastagem nativa. Além disso, está comprovado pela Embrapa Pantanal que a desmama antecipada de bezerros (6 – 8 meses de idade), também em pasto nativo, pode propiciar aumento de natalidade em 16%.

 No aspecto sanitário, os estudos regionais também evidenciaram que, a everminação estratégica de bezerros ao nascimento (1 cm3 de ivermectina ou doramectina), à desmama  e após a desmama para novilhas de reposição, no início, meio e final da seca, reduz a mortalidade de bezerros recém-nascidos e melhoram o desenvolvimento das novilhas.

É claro que somente um meticuloso inventário dos recursos disponíveis nos levará ao diagnóstico preciso da unidade de produção. Mas não é esse o grande objetivo. Percebe-se nitidamente a necessidade de modernização dos conceitos que norteiam o processo produtivo regional. É preciso que os pecuaristas se conscientizem da premente necessidade de incrementar os baixos índices de produtividade em bases ecossustentáveis.

 E, por incrível que pareça, muitas unidades de produção no Pantanal estão obtendo níveis de produtividade bem acima da média regional, com adoção de tecnologias simples, compatíveis com a realidade regional e de baixo custo. Tudo indica que não se pode negligenciar as técnicas de administração geral e gerência específica do agronegócio. Sugere-se, sempre que possível, implementar tecnologias simples de manejo reprodutivo, sanitário e nutricional. Talvez a existência de pastagens naturais de boa qualidade em determinadas sub-regiões, viabilize a produção do tão almejado vitelo pantaneiro, que por sinal, poderá agregar valor inestimável ao principal produto do Pantanal. Para isso, é preciso desenvolver a sensibilidade e criatividade no empresário, condição primordial para o sucesso do agronegócio regional.

 Quais os principais fatores que estão contribuindo para essa situação?

No passado, vendia-se bois magros com 3 a 5 anos de idade, peso vivo médio de 11 arrobas. Acredita-se que os invernistas de São Paulo e Minas Gerais ganharam muito dinheiro, pois o boi era vendido em pé e o peso estimado a olho. O rebanho numeroso, embora com baixíssimos índices de produtividade, viabilizava elevado volume de negócios. A taxa de desmama anual de bezerros girava em torno de 35 a 45%. Ou seja, de cada 100 vacas em idade de reprodução, colhia-se de 35 a 45 bezerros por ano. Em algumas unidades de produção chegava-se vender de 300 a 3 mil bois magros por ano, além de vacas velhas e novilhas de descarte. Esse volume todo de dinheiro apurado possibilitava a manutenção de uma residência na cidade de Corumbá ou Campo Grande/MS e dos filhos em boas universidades à distância. Enfim, a pecuária possibilitava uma excelente condição sócio-econômica. Hoje a realidade é outra. Mas, o que efetivamente está ocorrendo?

 Acredita-se que, nos últimos 50 anos, as unidades de produção mudaram o seu perfil, reduzindo drasticamente a superfície, em função do processo natural sucessório e praticamente mantiveram os mesmos índices de produtividade.

            Há quase 25 anos, a Embrapa Pantanal, preocupada com o rumo da atividade pecuária de corte na região, vem demonstrando que é possível elevar os índices zootécnicos indicativos de produtividade para patamares mais elevados e economicamente viáveis com práticas simples de manejo reprodutivo, sanitário e nutricional.

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Luiz Marques Vieira ([email protected]), Engenheiro Agrônomo, MSc. em Zootecnia e Doutor em Ecologia, atuando na área de Qualidade Ambiental e José Aníbal Comastri Filho ([email protected]), Engenheiro Agrônomo, MSc em Zootecnia, ambos pesquisadores da Embrapa Pantanal.

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