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Por que existem pessoas que negam a Ciência?


Decio Luiz Gazzoni

            A rejeição dos fatos científicos por parcela da população é um enorme problema, com o qual a sociedade mundial terá que lidar. Se falharmos nessa missão, as consequências podem ser muito sérias para todos. Algumas posturas anticiência fantasiosas – o terraplanismo, por exemplo – pouco ou nada afetam a vida em nosso planeta. Entrementes, se as pessoas se recusam a se vacinar, ou a vacinarem seus filhos, elas expõem todos os demais cidadãos às doenças por elas controladas. Se muitos negam a existência das mudanças climáticas, como tomar providências para evita-las ou, ao menos, mitigá-las? Em ambos os casos, inexoravelmente caminharemos para o precipício, deixando uma herança amarga para nossos filhos e netos, tornando a sua vida muito difícil, quiçá impossível.

            O negacionismo científico cresceu muito durante a pandemia de Covid. A pergunta central é: por que tantas pessoas são anticiência? Esse é o objeto de análise de especialistas em atitudes, persuasão e como os seres humanos são impactados por inovações científicas. Destacamos três cientistas que investigam o tema: Aviva Philipp-Muller (Simon Fraser University); Richard Petty (Ohio State University); e Spike W. S. Lee Universidade de Toronto).     Segundo esses professores há quatro razões principais para um determinado individuo apesentar uma postura anticiência:

  • a informação vem de uma fonte que eles rejeitam ou percebem como não digna de crédito;
  •  identificação com bolsões anticiência, participando de grupos que se auto reforçam nessa visão;
  •  a informação científica contradiz o que eles acreditam ser verdadeiro, bom ou valioso;
  •  a informação é apresentada de forma conflitante com a forma como eles pensam sobre determinados temas.

            Acrescentaria mais três aspectos que julgo importantes: a identificação do cidadão com determinadas ideologias; o fato de as verdades científicas tirarem as pessoas de sua zona de conforto; e a dificuldade de lidar com verdades inconvenientes, quando a verdade científica obriga a pessoa a mudar de atitude ou comportamento.

            Entendo ser fundamental compreender as razões que levam um cidadão a uma postura anticiência, porque pode indicar caminhos para aumentar a aceitação das verdades científicas.

 

Descrédito nos cientistas

            A primeira razão elencada acima é que indivíduos anticiência não veem os cientistas como confiáveis. Cientistas são considerados “seres de outra dimensão”, não pertencem ao quotidiano das pessoas, estão tão distantes do cidadão médio que fica fácil contestá-lo. Até porque a contestação nunca é tête-a-tête, logo não há oportunidade de réplica e tréplica, é um posicionamento unilateral.

            Nós, cientistas, temos parte da culpa por essa postura. Via de regra, cientistas se comunicam muito bem com os seus pares, mas falham ao comunicar-se com a sociedade leiga.

            Outro aspecto importante que sempre refiro é que “em Ciência, a verdade é sempre a última verdade”. A Ciência sempre se revisita, dogmas milenares são derrubados, novas teorias são acrescentadas. O debate é uma ferramenta essencial e permanente da Ciência. Assim como o ceticismo o é. Eles permitem o confronto de ideias. O ceticismo obriga a que um cientista que defenda uma posição disponha de elementos sólidos de convicção para o debate com seus colegas.

            Um cientista legítimo não tem preconceitos, não morre abraçado com suas ideias. Se for confrontado com fatos e números que não possa contestar, um cientista se convence de ideias que sejam contrárias às que defendia. Entretanto, fora do ambiente acadêmico, esse debate pode ser percebido como uma fraqueza da Ciência, devido às posturas divergentes. Entretanto, trata-se do oposto, o ceticismo e o debate são essenciais para estabelecer as verdades científicas. Ciência, conhecimento, são construídos pacenciosamente, tijolinho a tijolinho, modificando-se o arquétipo do conhecimento sempre que novos avanços científicos sejam comprovados além de qualquer dúvida razoável.

            Como os cientistas podem aumentar sua credibilidade? Eles devem comunicar ao público que o debate é uma parte natural do processo científico. Para aumentar a confiabilidade, eles podem demonstrar à sociedade que seu trabalho é motivado por objetivos que beneficiam a população. E, particularmente, tanto cientistas individualmente, como suas instituições (Universidades ou Institutos), necessitam investir fortemente na comunicação da Ciência, ou seja, transmitir os avanços científicos para a sociedade em uma linguagem clara, inteligível, didática, de forma transparente, independente e sem vieses.

 

As bolhas sociais

            A postura anticiência cresceu nos últimos anos devido à massificação das mídias sociais. Contraditoriamente, essas mídias são frutos de avanços científicos, ou seja, a Ciência forneceu os mecanismos para que ela fosse contestada!

            As mídias sociais tendem a formar grupos identitários, que pensam de forma igual. Ou então, absorvem e cooptam pessoas que não possuíam um pensamento formado a respeito de determinados temas. As pessoas também tendem a rejeitar informações científicas quando entram em conflito com suas identidades sociais. Por exemplo, os jogadores de videogame são resistentes às evidências científicas dos malefícios de jogar videogame durante dias a fio. Fumantes e alcoólatras inveterados rejeitam todas as verdades científicas que demonstram as relações entre fumo e álcool e determinadas doenças ou síndromes.

            As pessoas também podem se identificar com grupos sociais organizados, que rejeitam evidências científicas. Que odeiam cientistas e qualquer cidadão que concorde com cientistas. Por exemplo, aqueles que se identificam com grupos céticos em relação às mudanças climáticas tendem a ser muito hostis em relação aos que aceitam as provas das mudanças climáticas. Terraplanistas vilipendiam os indivíduos que aceitam que a Terra assemelha-se a uma esfera.

            Não é fácil lidar com esse comportamento porque, por definição, as bolhas se encerram em si mesmas, como forma de proteção. Criam barreiras às demais fontes de informação, são impermeáveis, aceitam apenas aquilo que é divulgado nas mídias sociais e que esteja perfeitamente alinhado com a visão da bolha. Revistas científicas, órgãos de comunicação da Ciência e até mesmo a mídia leiga, que veicule avanços científicos, são rejeitados pela bolha. De outra parte, os textos que reforçam o pensamento do grupo são louvados e elevados à categoria de dogma inquestionável.     

            Um exemplo clássico ocorreu durante a pandemia de Covid, no tocante a um medicamento que foi exaustivamente estudado por centenas de cientistas sérios, independentes, que concluíram que o mesmo não possuía qualquer atividade sobre o vírus causador da Covid. Ao contrário, apresentava efeitos colaterais que poderiam ser muito prejudiciais à quem os utilizasse. As bolhas que idolatravam a referida substância rejeitaram incontinenti todos os estudos científicos sérios sobre o tema, porém consagraram o único estudo que apontava elevada eficiência do medicamento. Estudo esse que foi contestado por diversos cientistas sérios, tendo o pesquisador que o desenvolveu sido obrigado a se retratar publicamente, afirmando que havia manipulado os resultados para obter as conclusões a que chegou. O ápice foi alcançado quando presidentes de alguns países apoiaram referido estudo, enquanto o presidente do país onde o estudo foi realizado veio a público pedir desculpas ao mundo. pela manipulação dos resultados. Nada disso foi levado em consideração, o medicamento continuou sendo considerado o santo graal dos negacionistas da Ciência.

 

Contradições

            As pessoas muitas vezes rejeitam a ciência por causa de suas crenças, atitudes e valores. Quando as informações científicas contradizem o que as pessoas acreditam ser verdade ou bom, sua reação imediata é de não acreditar na informação. A solução mais simples para o seu desconforto é rejeitar a Ciência, vez que não conseguem rebatê-la. Criam uma narrativa ou um discurso, mas este não é o método científico, cientistas não trafegam por essa via. Cientista não sabe discursar, o verdadeiro cientista só sabe discutir esgrimindo fatos e números comprovados.

            Com o advento das mídias sociais, esse comportamento alcançou patamares elevados. Por elas circulam desinformação e fakenews – em bom português, mentiras. Assim, a informação científica contradiz as crenças existentes geradas pela desinformação. Uma vez espalhada a desinformação, é difícil corrigi-la, por mais didática e irrefutável que seja a explanação contendo a informação correta. O comportamento anticiência rejeita explicações, não se deixa convencer, mesmo sendo incapaz de refutar. Não podendo rebater, repete ad nauseam sua narrativa, mesmo sem condições de comprova-la.

            A proliferação dos grupos em mídias sociais e o elevado número de participantes dos mesmos torna muito difícil – quiçá impossível – reposicionar a informação correta, porque os membros dos grupos se autoreforçam em suas convicções e rejeitam qualquer questionamento a este respeito. Lembremo-nos sempre de Joseph Goebbels, ministro da propaganda de Hitler, cuja máxima era “Eine tausendmal wiederholte Lüge wird zur Wahrheit” (uma mentira repetida mil vezes se torna verdade). Goebbels e Hitler tinham apenas rádios e jornais para divulgarem suas mentiras, mas a História demonstra a chacina delas decorrente, pela fanatização de milhões de pessoas que nelas acreditaram.

 

Ideologia e política

            Os professores que citei acima afirmam que as forças políticas são poderosas contribuintes para atitudes anticientíficas. Isso ocorre porque a política pode desencadear ou amplificar todas as quatro razões principais para ser anticiência. A política pode determinar quais fontes parecem críveis, expondo pessoas à desinformação.

            Via-de-regra os cidadãos pertencentes a partidos liberais aceitam melhor os fatos científicos. Entretanto, a política é uma forma de identidade e, portanto, quando as ideias com fundamento científico vêm do próprio grupo, as pessoas são mais receptivas a elas. Vamos a um exemplo de política pública norteamericana, citada pelos professores. Se um imposto sobre as emissões de gases de efeito estufa (uma postura liberal, típica do partido Democrata) é divulgada como tendo sido proposta pelos republicanos, os democratas são mais propensos a se opor a ela – apesar de democratas serem, em tese, favoráveis às políticas dessa ordem. Além disso, quando a informação científica contradiz os valores e crenças religiosas, morais, políticas ou ideológicas das pessoas, tanto conservadores quanto liberais se opõem veementemente a ela.

            Finalmente, conservadores e liberais diferem em seus estilos de pensamento e como abordam a informação. Por exemplo, os conservadores tendem a ser menos tolerantes à incerteza do que os liberais, que são mais propensos a aceitar riscos e enveredar por novas trilhas. Esses diferentes estilos de pensamento estão ligados a diferentes graus de anticiência.

 

Agropecuária

            Não apenas Medicina, Política e Meio Ambiente constituem terreno fértil para fakenews e desinformação. O agronegócio é vítima constante delas. Há dois anos publicamos o livro “Agricultura, Fatos e Mitos”, com o objetivo de reposicionar versões inverídicas envolvendo o agronegócio, valendo-nos de verdades, fatos e números científicos, devidamente referenciados. Mas, constatamos que é uma luta difícil, somos poucos e precisamos fundamentar cada informação que colocamos. Usando o mesmo lapso de tempo, quem desinforma simplesmente inventa dezenas de narrativas inverídicas, sem lastro na Ciência, que se propagam à velocidade da luz nas redes de Internet.

            Como exemplos podem ser citadas as menções à contaminação dos alimentos por pesticidas, as versões contrárias ao uso de ferramentas biotecnológicas, o descaso do produtor com o meio ambiente, a existência de inúmeros latifúndios improdutivos. Há anos circulam narrativas que o Brasil é o maior consumidor de pesticidas do mundo, o que contradiz as estatísticas produzidas por órgãos internacionais de credibilidade. E não há como estagná-las, sempre retornam à ribalta pelas mesmas vias.

            Em suma, esses determinantes centrais das atitudes anticientíficas nos ajudam a entender o que está impulsionando a rejeição de diversas teorias e inovações científicas, desde novas vacinas até evidências de mudanças climáticas. A sociedade mundial e, especialmente os cientistas e suas instituições, têm um árduo caminho pela frente, para reduzir o número de adeptos das teses anticiência que tanto mal podem causar ao mundo.

            Em qualquer dos segmentos econômicos ou sociais envolvidos, a desinformação promovida por indivíduos anticiência representa enorme perigo. Não será tarefa fácil combater essa epidemia digital, justamente por ser digital. Se é difícil lidar com o sentimento anticiência dos seres humanos, que é um fato que remonta há séculos (vide Galileu Galilei), no caos do enorme volume de informações que circula pela Internet isto pode ser impossível. Pior para cada um dos habitantes do planeta Terra, estamos criando o meio de cultura que gerará o caos existencial para nós mesmos.

 

O autor é Engenheiro Agrônomo, membro do Conselho Científico Agro Sustentável.

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