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POR FAVOR, CHAMEM O CAPITÃO GAY


Amélio Dall’Agnol

Não está para amadores o jogo bruto do intercâmbio comercial mundial. O mais delicado dos competidores nesse embate chuta a canela do concorrente e finge que foi o vizinho. O Brasil, enquanto desempenhava um papel secundário no jogo do comércio agrícola mundial não sentia a maldade que vinga entre os jogadores desse time. Agora, finalmente convertido em importante parceiro desse jogo, sofre as conseqüências do seu novo status. Vejam o exemplo recente da China. Talvez estimulada por competidores do Brasil, decidiu rejeitar centenas de milhares de toneladas de soja brasileira porque estariam contaminadas com resíduos de fungicidas. Isto ocorre no justo momento em que o mercado da soja estava em queda. Estivesse o mercado em alta, e nenhum grão contaminado teria sido encontrado. Resultando dessa brincadeira: prejuízo de centenas de milhões de dólares para o Brasil.

E para provar que o jogo não está para brincadeiras, no final de junho a Rússia, a Indonésia e até a vizinha Argentina decidiram aproveitar a notícia da existência de um foco de Febre Aftosa no longínquo Estado do Pará, para impor restrições à importação de carne bovina brasileira. Esse Estado não exporta carne para esses países, mas o que lhes importa é aproveitar-se da existência de uma justificativa para não precisar cumprir as regras estabelecidas na aquisição do produto.

Atitudes piores podem ocorrer, como o episódio (vocês se lembram?) da Vaca Louca com o Canadá. Incomodado com a perda de mercado de carnes e de aviões para o Brasil, gratuitamente acusou o nosso país de ser um potencial foco da doença, o que se provou ser mentira, mas até isso acontecer, lá se foram milhões de dólares pelo ralo, enquanto a doença – qual castigo divino - aparecia no próprio Canadá.

“O livre comércio é o melhor atalho para a prosperidade global. Uma ruptura ou reversão desse processo seria uma tragédia”. É o que diz Alan Greenspan, Presidente do Banco Central Americano. O que ele não sabe é que o livre comércio só existe no discurso das nações poderosas, como a que ele representa. Na prática, meu irmão, o que vale mesmo é a lei do mais forte. “Nas relações comerciais entre os povos não há lugar para amigos nem para inimigos: só para negócios” afirmava o conterrâneo de Greenspan, John Foster Dulles, deixando clara a estratégia de negociação dos norte-americanos.

Se bem é verdade que a globalização do comércio internacional é um processo irreversível, pelos inquestionáveis benefícios que trouxe e traz à humanidade - inclusive para as nações subdesenvolvidas e em desenvolvimento, como o Brasil - o que se questiona aqui não é o mecanismo, mas a desigual distribuição dos seus benefícios entre ricos e pobres, sejam eles nações ou indivíduos.

São esses resultados que geram indignação e justos protestos mundo afora. Com a abertura dos mercados, as nações ricas passaram a vender mais às nações pobres e delas comprando menos. Isso em parte se deveu ao maior nível tecnológico, mas, também, é resultado dos subsídios e do protecionismo descarado que praticam em favor dos seus mercados, resultando numa sociedade mais injusta e iníqua, hoje, do que a existente há 50 anos, quando teve início a explosão do comércio mundial que originou o que hoje denominamos de globalização.

Precisamos reagir contra a arrogância e prepotência com que os países industrializados nos impõem as regras do comércio mundial, que, ato contínuo, eles próprios não as cumprem, valendo-se de justificativas esfarrapadas para fugir do cumprimento das regras por eles mesmos estabelecidas, numa típica atitude do “faça o que eu digo, não faça o que eu faço”.

A ganância nunca satisfeita do capitalismo selvagem dos países ricos, cuja prosperidade e desenvolvimento foram, em boa parte, construídos às custas da pobreza e do subdesenvolvimento do Terceiro Mundo, precisa ser freada, para o que nossas autoridades deveriam assumir atitudes mais enérgicas e agressivas contra a falácia da abertura comercial ou, na incapacidade de conseguí-lo, que chamem, pois, o Capitão Gay, aquele que resolve as missões impossíveis.

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