Por Fabio Santos Rodrigues*
Não são raras as vezes em que os credores se veem obrigados a penhorar propriedades rurais de seus devedores, de forma que acaba sendo comum depararem-se com a chamada “pequena propriedade rural”, dotada de impenhorabilidade por força de lei, quando trabalhada pela força familiar.
O art. 833, VII, do Código de Processo Civil, dispõe que são impenhoráveis “a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família”. Já o art. 4º, II, da Lei 8.629/1993, dita que se enquadra como pequena propriedade rural o imóvel "de área até quatro módulos fiscais, respeitada a fração mínima de parcelamento".
Portanto, para que o reduzido imóvel seja considerado impenhorável por se tratar de uma pequena propriedade rural, basta que não ultrapasse quatro módulos fiscais e que seja “trabalhado pela família”.
Desta sorte, uma vez que, em regra, as propriedades rurais até quatro módulos fiscais – cada município define qual é o tamanho de cada módulo fiscal – são trabalhadas pela força familiar – existe uma presunção neste sentido –, os devedores facilmente viam reconhecida a impenhorabilidade dos seus imóveis.
Isto porque, até não muito tempo atrás, atribuía-se ao credor o ônus de comprovar que a propriedade NÃO era trabalhada pela família do devedor, de modo a superar a impenhorabilidade trazida à baila, prova esta que, convenhamos, não é nada fácil de ser produzida.
Assim, era cômodo ao executado comprovar que o imóvel era menor que quatro módulos fiscais – critério objetivo – e, por outro lado, meramente alegar que era trabalhado pela família – presunção relativa –, e o credor que se virasse para comprovar o contrário.
Em razão deste errôneo privilégio que os devedores se valiam, e concretizando um posicionamento frequente da Terceira Turma quando da vigência do CPC/73, em fevereiro de 2021, o Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do REsp 1843846, sacramentou que compete ao executado o ônus de comprovar que a propriedade se destinava à exploração familiar.
Abaixo, segue trecho do referido acórdão:
(...) Ademais, como regra geral, a parte que alega tem o ônus de demonstrar a veracidade desse fato (art. 373 do CPC/2015) e, sob a ótica da aptidão para produzir essa prova, ao menos abstratamente, é certo que é mais fácil para o devedor demonstrar a veracidade do fato alegado. Demais disso, art. 833, VIII, do CPC/2015 é expresso ao condicionar o reconhecimento da impenhorabilidade da pequena propriedade rural à sua exploração familiar. Isentar o devedor de comprovar a efetiva satisfação desse requisito legal e transferir a prova negativa ao credor importaria em desconsiderar o propósito que orientou a criação dessa norma, o qual, repise-se, consiste em assegurar os meios para a manutenção da subsistência do executado e de sua família. (REsp 1843846/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/02/2021, DJe 05/02/2021)
Todavia, muito embora estejamos caminhando para dois anos desta consolidação de entendimento trazido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), é bem comum ainda encontrarmos julgados em instâncias inferiores na sua contramão, ainda exigindo do credor a comprovação de que a pequena propriedade rural do devedor não seria trabalhada pela família e, consequentemente, reconhecendo a impenhorabilidade daquele imóvel devido à ausência de prova satisfatória produzida pelo exequente.
Ora, muito embora seja compreensível a sensibilidade do tema, e seguindo a linha do entendimento do Superior Tribunal de Justiça, não se pode negar que o executado é quem possui as melhores condições de comprovar que a sua pequena propriedade rural é sim destinada à exploração familiar, não havendo que se falar em uma benevolência do Judiciário para com o executado, em detrimento do direito do exequente de ver seu crédito satisfeito por meio do imóvel, ao exigir daquele último a produção de uma prova negativa.
Portanto, é esperado que as instâncias de piso sempre exijam do executado a comprovação do preenchimento dos requisitos do art. 833, VII, do Código de Processo Civil, para alcançar a impenhorabilidade da pequena propriedade rural. Caso contrário, a reforma desta decisão pode não ser rápida, já que exigirá o acionamento do STJ, mas será certa.
* Fabio Santos Rodrigues é advogado da área de Responsabilidade Civil do escritório Araúz Advogados