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O ciclo de baixa


Decio Luiz Gazzoni

Quem conhece a agropecuária sabe que ela é cíclica. Em especial, por causa do clima e das pragas, entremeiam-se anos bons e anos ruins. Quando outros fatores intervêm, como governos e mercado, os ciclos são acentuados e extremados. A agropecuária brasileira vive, talvez, o seu momento de baixa mais forte. A culpa é de todos: clima, pragas, governo e mercado.

 

Real valorizado

O agricultor comprou com dólar a R$3,50 e vende a R$2,75 - logo os custos aumentam e o faturamento diminui. Eu já fui apanhado num contrapé de vender com dólar a R$1,00 e comprar a R$1,95 e sei o “quanto dói uma saudade!” O país todo sofre com a queda de rentabilidade do agronegócio, que respondeu por 40,4% das exportações brasileiras em 2004. O levantamento rotineiro de preços do MAPA aponta os seguintes aumentos de custo de produção: algodão (19%), arroz (14%), milho (15%), soja (17%) e trigo (10%). Em todos os casos a explicação é a mesma: valorização do real. O ministro Roberto Rodrigues reconhece que o setor vive o pior mundo possível e propôs à área econômica do governo a alocação de R$ 200 milhões para a criação de um seguro de renda, além do pleito de R$1 bilhão para apoio à comercialização da safra.

 

Exportação

Ninguém duvida que a maior parte do crescimento (embora tímido) da economia brasileira, em 2004, deveu-se às exportações, em especial, do agronegócio. O Governador Blairo Maggi, maior plantador de soja do mundo, acusa o golpe: "É a política econômica que prejudica o setor agrícola. O câmbio neste momento é o que sufoca o setor primário”. O próprio governo já trabalha com o cenário de queda no saldo comercial do agronegócio, em 2005. Embora alguns produtos ainda apresentem preço competitivo (café, suco de laranja, açúcar e álcool), a valorização excessiva do real vai estimular as importações. O preço da soja está se salvando pela frustração da safra brasileira, e aí um fator anula o outro.

 

Clima

Parece que este ano a ferrugem responde apenas pelo aumento do custo com fungicidas, não serão registradas grandes perdas pelo ataque do fungo – um grande mérito da Embrapa e seus parceiros. Mas as regiões Sul e parte do Sudeste e Centro Oeste enfrentam uma seca rigorosa, responsável maior pela quebra de safra (em números absolutos) já observada no país. A Conab prevê uma quebra de 12,4 milhões de toneladas. Mesmo assim, a produção será superior à safra passada, porque o agricultor vinha de um ciclo de alta que o induziu a ampliar o plantio. Apenas no caso da soja, a estimativa é de R$ 5,399 bilhões de perdas (frustração de 8,281 milhões de toneladas), o que reduz a estimativa de safra para 53,119 milhões de toneladas. No auge do ciclo de alta, as previsões apontavam a produção brasileira igual à americana, já para a próxima safra.

 

Infra-estrutura e tributos

Se não bastasse o clima ruim e o mercado adverso, na calada da noite de 31/12/04 o Governo resolveu meter a mão mais fundo no bolso do agricultor – como meteu em todos os prestadores de serviço do Brasil (MP 232). Veja que, nos países ricos, além do subsídio que o agricultor recebe, ele só vai pagar os impostos ao final do ano fiscal. Aí é que o agricultor vai saber se teve lucro ou perda, se deve ou não pagar impostos. Aqui, na terra do Fred Flintstone tributário, paga-se imposto sobre o lucro, até quando se tem perda – e o imposto é antecipado. Já o apagão logístico, devido às péssimas condições de transporte e armazenagem da safra, foi postergado mais uma vez, porque a safra frustrou.

 

Galinha dos ovos de ouro

Dia desses um amigo meu ilustrou, metaforicamente, o tratamento dispensado pelo governo ao agronegócio – o sustentador do emprego e da renda dos brasileiros. Disse ele que, até pouco tempo, quando a galinha fazia a postura, o governo levava metade dos ovos de ouro. Dos pintinhos nascidos, também levava mais metade. O diabo é que agora ele quer meter a mão na galinha! É bom pensar nisso e moderar a voracidade tributária antes que o arrependimento só venha com o aumento da violência (no campo e na cidade) e com a falta - ainda maior - de recursos para educação ou saúde.

 

O autor é Engenheiro Agrônomo, pesquisador da Embrapa Soja (www.gazzoni.pop.com.br)

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