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O boi e a espiga de milho


Edivan Júnior Pommerening
Lembro que nos idos da minha adolescência, em meados da década de 90, no interior de Paial-SC, meu pai tinha uma junta de bois: um se chamava Pintado e o outro Mineiro. O Pintado era um animal comprometido, e literalmente trabalhava “que nem um boi”. O Mineiro aparentava ser manso “igual boi de canga”, mas era esquivo, se escorava no cabeçalho do arado, e o Pintado, coitado, tinha que arrastar além do arado o seu parceiro de canga.
Quando meu pai se cansava de chamar a atenção do Mineiro, sem sucesso, ele pedia que eu apanhasse uma espiga de milho e fosse caminhando na frente dele para assim estimulá-lo a trabalhar direito. Funcionava. No final de duas ou três vergas eu sacava o bornal e entregava a espiga para ele comer. E uma ao Pintado também, é claro, afinal era ele quem mais merecia. E assim o eito crescia, o Mineiro estimulado pela espiga e o Pintado pelo eito.
O Mineiro era “bardoso”, fazia drama, tudo para não trabalhar. Na terceira ou quarta verga já se ajoelhava, respirava ofegante, para nós pensarmos que ele estava doente. Mas era só mostrar a espiga de milho que ele se punha em pé num salto. O Mineiro se emburrava por coisas banais, não escutava ninguém, e às vezes em que isso acontecia, percebíamos que as críticas (construtivas) entravam por uma orelha e saíam pela outra.
O Mineiro não tinha paciência; batia os cascos no chão quando as coisas não aconteciam do seu jeito ou na velocidade que ele queria, como se fosse o único ruminante do potreiro. Então ele “trocava as patas pelos chifres” e, literalmente, colocava a “carroça na frente dos bois”. O Pintado era bicho, assim como o Mineiro, mas com uma diferença: “tinha alma sob o couro”, tratava a todos com amor, com respeito, e estava sempre pronto para servir quem dele precisasse.
Para pegar o Mineiro era uma via-sacra. Era só ele escutar o tilintar da tiradeira da canga que saía em disparada potreiro adentro. Então lá ia eu: pegava uma espiga de milho, uma corda, abria a porteira de varas e enveredava atrás do boi. Quando ele via a espiga vinha todo dengoso para o meu lado, ficando fácil enlaçar seus chifres com a ligeira, mas logo após engolir o milho ele corcoveava na canga para tentar quebrar os canzis ou arrebentar o ajoujo e assim ganhar tempo “devarde” enquanto meu pai consertava as tralhas.
Como todo animal irracional, o Mineiro não falava, mas percebia-se nitidamente pelas suas atitudes que ele encontrava desculpas e justificativas a todas as suas displicências. Para ele tudo era difícil, promovia um escarcéu se tivesse que fazer alguma atividade diferente das quais estava habituado. Sem contar que na maioria das vezes ele culpava o Pintado pelos seus erros e ineficiências e sindicalizava os outros animais do potreiro em desfavor do meu pai.
Quando íamos passar o capinador no meio do milho, o Pintado cuidava para não pisar nas plantas, pois sabia que as pisoteadas significavam perdas a toda família e que se meu pai perdesse, ele perderia junto. Pintado trabalhava para ser reconhecido como um ótimo boi de serviço, um exemplo. Para ele, trabalhar não era desalento, era uma diversão. Ele tinha orgulho de chegar ao fim da empreitada e vê-la toda lavrada. Não escolhia horário, não refugava serviço, não tinha tempo ruim. O Pintado fazia a diferença, enquanto o Mineiro...
O tempo passou e o Mineiro jamais pode ser considerado um boi profissional, pois não evoluiu profissionalmente. Ele se iludiu o tempo todo, seu trabalho não teve sentido, não lhe trouxe dignidade. O cabresto virtual que utilizava não lhe permitiu enxergar outras coisas além das espigas de milho. Não que as espigas não fossem importantes aos seus devaneios, claro que eram. Assim como o dinheiro é importante para as pessoas. Mas trabalhar só por elas, ou só por ele, é fútil demais.
 
Crônica inspirada em fatos reais.
 
*Auditor Interno e Professor Universitário

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