* Por Marcella Granemann Ferreira
O agronegócio nacional, setor que sozinho corresponde a mais de 30% do PIB brasileiro e que teve importância ímpar na economia brasileira nos os últimos dois anos, em decorrência do forte e negativo impacto da pandemia do Covid-19, tem como um dos seus principais pilares a pecuária.
Nessa conjuntura, é natural que as diversas práticas tributárias aplicadas ao setor sejam continuamente adaptadas, a fim de garantir a melhor adequação da interpretação e das próprias normas aos casos práticos.
É o que ocorreu no recente entendimento pacificado pelo Supremo Tribunal Federal, e reafirmado através do julgamento do tema 1.099 da sistemática da repercussão geral, que reconheceu a não incidência do ICMS nas transferências de mercadorias entre propriedades do mesmo indivíduo, pela inocorrência do fato gerador.
A decisão restou assim ementada:
Recurso extraordinário com agravo. Direito Tributário. Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Deslocamento de mercadorias. Estabelecimentos de mesma titularidade localizados em unidades federadas distintas. Ausência de transferência de propriedade ou ato mercantil. Circulação jurídica de mercadoria. Existência de matéria constitucional e de repercussão geral. Reafirmação da jurisprudência da Corte sobre o tema. Agravo provido para conhecer em parte do recurso extraordinário e, na parte conhecida, dar-lhe provimento de modo a conceder a segurança. Firmada a seguinte tese de repercussão geral: Não incide ICMS no deslocamento de bens de um estabelecimento para outro do mesmo contribuinte localizados em estados distintos, visto não haver a transferência da titularidade ou a realização de ato de mercancia. (ARE 1.255.885-RG, Rel. Ministro Presidente, Tribunal Pleno)
Entendeu-se, portanto, que a cobrança de ICMS para cada transferência de bovinos de uma propriedade para outra do mesmo indivíduo, sem qualquer transferência de titularidade dos animais, viola o direito líquido e certo dos contribuintes, por não se tratar de prática mercante.
Afinal, o ICMS tem como fato gerador a circulação jurídica de mercadorias e serviços, pressupondo a transferência de propriedade e não o mero deslocamento. Logo, para a incidência do imposto se faz necessária a efetiva mercantilização do bem ou serviço, o que não acontece quando apenas se traslada os animais entre propriedades do mesmo dono.
Tal prática – movimentação de bovinos entre propriedades – é extremamente comum e importante para os pecuaristas, pois permite o melhor desenvolvimento dos animais, a análise da raça, a troca de pastagem e até mesmo a prevenção e o controle de doenças infecciosas.
Todavia, o ICMS vinha sendo cobrado também nestes casos de mera movimentação de bovinos entre propriedades de um mesmo contribuinte, situação essa que evidentemente deu início ao debate sobre o cabimento da cobrança.
No mesmo sentido ao novo posicionamento definitivo, o Convênio ICMS nº 19, de 07 de abril de 2022, estipulou a redução da base de cálculo do ICMS sobre operações de saídas interestaduais de bovinos para os estados do Acre e Rondônia. De forma semelhante, o estado do Tocantins também havia reduzido a alíquota para tais operações.
Em que pese tais normativas não englobarem todos os estados, já demonstravam a adesão dos governos estaduais ao novo entendimento que se consolidava lentamente no Poder Judiciário (a exemplo da súmula 166 do Supero Tribunal de Justiça[1]), e que agora resta pacificado.
E ainda que questões práticas ainda precisem ser decididas – tais como a aplicação do art. 155, § 2º, inciso II da Constituição ao caso – fato é que a decisão trouxe aos produtores pecuaristas a segurança jurídica necessária para darem continuidade aos projetos, então freados pelo medo da forte tributação.
A não incidência reconhecida em favor do setor foi fundamental para alavancar um dos principais ramos do agronegócio, e com certeza impactará o crescimento do anual setor, o qual especialistas estimam que seja de até 4% em 2022.
[1] Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte.
* Por Marcella Granemann Ferreira é advogada do escritório Araúz Advogados