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Maná brasileiro


Kenio de Gouvêa Cabral

Há alguns dias atrás chegou ao porto do Rio quase 80 toneladas de carne bovina vinda da Argélia.

O fato em si chama a atenção: o Brasil produz cerca de 30% da carne bovina mundial e estava recebendo um container de carne. E da Argélia!

            As embalagens estampavam o selo de inspeção do Ministério da Agricultura, bandeira argelina e caracteres árabes, além de texto em inglês e francês na etiqueta.

O site BOL notícias informou: "A Receita Federal e Ministério da Agricultura divergem sobre origem e destino da carne. Segundo nota da Receita, a carne veio da Argélia e foi abandonada pelo importador. Em 5 de julho, foi feita a Declaração do Perdimento. Segundo o Ministério da Agricultura, a Argélia seria o destino, e não a origem da carne. As caixas têm inscrições apontando como importador de alimentos Sarl Sahby Simex, cujo o endereço seria rue de Stade, 7, Rouiba, Argélia."

            Situação inusitada que gerou providências inusitadas.

Em consulta ao Ministério da Agricultura, a Receita foi informada de que o carregamento encontrava-se em desacordo com a legislação vigente e foi recomendada a destruição da carne.

Correto. Mesmo estando a mercadoria dentro de seu prazo de validade não havia como liberá-la para consumo. Há vários aspectos que embasam essa decisão.

O problema veio depois.

Destruir presume várias coisas. A Receita Federal, que não tem competência para decidir isso, mandou enterrar a carne. E completou: esse era o procedimento que mais respeitava o meio ambiente.

O exército foi chamado. Escavadeiras a postos! Destino: Ricardo de Albuquerque. Logo atrás de uma favela carioca.

Quando o funeral histriônico terminou, na calada da noite, surgiram os moradores das favelas com carrinhos de mão, latas, bacias e mais o que fosse preciso para desenterrar o que era para ter sido, na verdade, incinerado.

No dia seguinte, para a apoteose, helicópteros do exército jogaram a carne restante.

Assim mesmo, lá de cima. Era o maná brasileiro. Choveu carne no quintal dos famintos!

Famintos por qualidade de vida, respeito e justiça social. Como relatou uma senhora da comunidade "não é que estamos passando fome, mas uma oportunidade como essa não se podia perder."

Os militares tentaram rechaçar os moradores, como se estivessem espantando cachorros famintos. Mas eles foram persistentes e recolheram o máximo que podiam.

Na favela, a patuscada estava garantida. O dia dos pais seria de sobejos. Houve até aumento na venda de cerveja.

Os mais espertos venderam a carne para açougues locais, jogando no ventilador a irresponsabilidade, para não dizer outra coisa.

Ficou por isso. Ninguém mais se pronunciou.

Para os entendidos no assunto, tal fato chega a causar rubor na face, de vergonha e raiva.

Para um país que tem que assumir posições claras quanto aos procedimentos higiênico-sanitários é um alerta.

Todos sabem que nossos aeroportos e portos não estão preparados tecnicamente e nem estruturalmente para receber mercadorias como essa, bem como o ingresso de animais vivos.

Realmente o descaso é de doer. Pode entrar qualquer coisa; ou não, dependendo do humor de quem recebe. É um samba do crioulo doido.

Pelo menos isso não repercutiu internacionalmente.

Charles de Gaulle tinha razão: o Brasil não é um país sério.

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