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Mais energia, menos poluição


Decio Luiz Gazzoni
O preço do petróleo está despencando. Meia boa notícia: se, por um lado, a energia fica mais barata, por outro vamos emporcalhar ainda mais a atmosfera do nosso planeta. Um amigo meu sempre lembra: tudo o que é bom também é caro. Vamos cair nesta de desincentivar o uso de energia limpa por que o petróleo (e junto com ele o gás e o carvão) ficaram mais baratos?

Há outras considerações que precisamos fazer. Para o agricultor, movimentar as máquinas ou o custo do frete pode ficar mais barato, agora. Mas, basta uma daquelas secas duradouras, que tem na origem as emissões da queima do óleo diesel, para que o o pequeno lucro se transforme em grande prejuízo.
Estamos regredindo
Em 2014 o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) das Nações Unidas divulgou um documento subscrito por 235 autores de 58 países, demonstrando que as emissões de gases de efeito estufa cresceram continuamente, entre 1970 e 2010. A taxa geométrica de aumento das emissões tem sido maior em períodos recentes, relativamente aos anteriores. Entre 1970 e 2000, as emissões incrementaram 1,3% ao ano; já na primeira década deste século, a taxa cresceu para 2,2% ao ano, em plena vigência do Tratado de Kyoto. Pelo Tratado, o compromisso dos signatários era reduzir não apenas a taxa, mas o volume total que cada país lança na atmosfera. Em função do crescimento da taxa, metade das emissões dos últimos 260 anos ocorreu de 1970 a 2010!
Cada país entrega, anualmente, o seu balanço de emissões, divididos por setores, como energia, indústria, transporte, construção civil e agropecuária. Em escala global, o setor energético é responsável por quase metade das emissões, pois a maior parte da energia provém de fontes fósseis, que contêm alto teor de carbono, estocado no subsolo pela Natureza há centenas de milhões de anos. Outros setores com altas emissões são o segmento industrial (30%) e o de transporte (11%). Em poucas décadas, estamos desenterrando esse carbono e lançando-o à atmosfera, perturbando o equilíbrio obtido ao longo de milhões de anos.
O IPCC aponta as consequências do acúmulo de gases de efeito estufa na atmosfera, sendo o mais dramático o aumento da temperatura da Terra em 2100, previsto para variar entre 3,7ºC e 4,8ºC acima dos níveis anteriores à Revolução Industrial. Mas não podemos esquecer das secas, inundações, tempestades ou furacões.
 
 
O que fazer?
Deve-se estabelecer uma meta factível e que possa ser consensuada globalmente, mediando os interesses dos diferentes países e blocos políticos ou comerciais. O IPCC propõe que a meta seja não superar em 2ºC o aumento médio da temperatura, até o final do século.

Atingir a meta será dolorido e demanda visão e coragem política, desprendimento, persistência e soluções de compromisso. Será necessário uma redução dramática das emissões, com início imediato e atingindo um máximo nos próximos 40 anos. Não há como atingir a meta a não ser pela substituição maciça e progressiva de combustíveis fósseis por outras formas de energia, especialmente renováveis – um Proálcool global, abrangendo biocombustíveis e outras energias renováveis. Também é crucial a redução acentuada das taxas de desmatamento, incluindo a sua reversão, ou seja, aumento da área de florestas plantadas.
Obviamente que os países serão afetados diferencialmente. Os industrializados, com alto consumo de energia fóssil, terão dificuldades quase insuperáveis de cumprimento da meta, mesmo no médio prazo. Por outro lado, países como o Brasil podem transformá-la em grande oportunidade. Nosso país tem reduzido consistentemente a taxa de desmatamento nos últimos anos, e possui excelentes condições para implantar uma indústria baseada em florestas cultivadas. Apesar do desincentivo recente à produção de bioetanol, dispomos de excelentes condições para expandir em escala exponencial a produção de biocombustíveis e de outras formas de energia renovável, como eólica, fotovoltaica ou bioeletricidade. O aproveitamento de resíduos agrícolas ou agroindustriais pode ser uma fonte importante de matéria prima para geração de bioeletricidade.
Outros países deverão investir acentuadamente na mudança do paradigma de transportes e da base da sua indústria automobilística, incentivando o uso da eletricidade (proveniente de fontes renováveis), do biohidrogênio e de células de combustível para movimentar os veículos. Igualmente, terão que investir fortemente no desenvolvimento de tecnologias como a captura e o sequestro de CO2 (CCS).
Em resumo, não será fácil, rápido ou barato enfrentar o problema. Inclusive, é muito difícil estimar o custo econômico das medidas a serem implantadas e aquele decorrente das mudanças no perfil industrial. Entrementes, o IPCC alerta que a alternativa mais cara é a omissão: o laissez faire pode significar uma catástrofe ambiental, com sérios desdobramentos econômicos e sociais. Mais do que nunca, o mundo precisa de estadistas que se preocupem com o futuro da Humanidade e não com o resultado da próxima eleição.
 
O autor é Engenheiro Agrônomo, pesquisador da Embrapa Soja.

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