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Inteligencia Natural


Decio Luiz Gazzoni

Presunçoso, o Homo sapiens julga-se o ser vivo com a prerrogativa da inteligência. Entomologista por formação, aprendi a respeitar a disciplina, a hierarquia e as capacidades de organização e de comunicação dos insetos. Agora me surpreendo com os mecanismos de sobrevivência do fungo causador da vassoura-de-bruxa do cacaueiro.

Desinteligência

Na coluna de 27/2/98, chamei a atenção para o descaso com as questões de sanidade agrícola, que levavam fome e miséria a diversas regiões do país. Um dos exemplos que citei foi a região cacaueira da Bahia que, por mais de um século, foi sinônimo de fausto, luxo e riqueza. Riqueza que permitiu desenvolver o restante da Bahia. Fausto e luxo que serviram de mote para Jorge Amado. Até que chegou à região o fungo Crinipellis perniciosa, agente causal da vassoura de bruxa, trazendo consigo choro e ranger de dentes. A falta de investimento em pesquisa e em medidas sanitárias permitiu ao fungo expandir-se com incrível rapidez, reduzindo a produção anual de 400 para 100 mil toneladas de cacau e a região passou de maior exportadora mundial para importadora de cacau!

Inteligência 1

Como em qualquer interação entre seres vivos, há os especialistas e os oportunistas. Para atacarem outros organismos, os oportunistas se valem de “brechas” na defesa da presa, como a depressão do sistema imunológico causada por má nutrição, fatores ambientais adversos ou ataque de outras pragas. Já os especialistas dispõem de um complexo arsenal para travar uma guerra contra o hospedeiro, em condições de vencê-la. O fungo C. perniciosa é um especialista no ataque ao cacaueiro. Ao infectar a planta, o fungo, inicialmente, entra em um estágio letárgico, com pouca atividade reprodutiva, que os agrônomos chamam de biotrófica. Nesse estado, o fungo libera substâncias químicas que induzem a planta a um crescimento hipertrofiado, formando ramos com múltiplos galhos. É o primeiro lance de estrategista do fungo.

Inteligência 2

A planta que, num primeiro instante apenas reagiu às substâncias químicas liberadas pelo fungo, “entende” que aquele ramo está, fatalmente, destinado a morrer, pela infecção do fungo. Com o jogo perdido, ela “decide” instalar um processo de apoptose (morte celular programada) no ramo infectado, para concentrar as energias nos seus ramos sadios. Porém, antes de “suicidar” o ramo, a planta transforma o nitrogênio contido nas proteínas do galho infectado em formas solúveis, como um aminoácido chamado asparagina. Este aminoácido começa a translocar-se para as partes sadias da planta, carregando consigo o nitrogênio e outros nutrientes do ramo infectado.

Inteligência 3

Neste momento o fungo “acorda” e inicia a fase chamada necrotrófica, ou seja, ele mata o ramo infectado antes do suicídio pretendido pela planta, estrangulando a passagem da seiva. O resultado visível desse processo é a aparência de vassoura do ramo morto, donde o nome da doença de vassoura-de-bruxa. Assim, o fungo tem à sua disposição todos os nutrientes que a planta acumulou no ramo infectado, sem que esses possam ser translocados. Em mais uma demonstração de inteligência do fungo, ele aguarda as condições climáticas adequadas (sucessão de chuvas e dias quentes) para entrar em ritmo frenético de reprodução, gerando esporos que serão lançados no ar justamente quando os cacaueiros iniciam a emissão de novas brotações, por onde o fungo irá penetrar e infectar outras plantas.

Inteligência e desinteligência

O último lance de inteligência não é da planta nem do fungo, mas de cientistas da Unicamp e da UESC, que desvendaram o mecanismo completo das alterações bioquímicas e fisiológicas acima, publicadas no Journal of Experimental Botany. A desinteligência fica por conta dos Governos que não conseguem vislumbrar a relação direta entre pesquisa e sanidade e desenvolvimento, emprego, renda e qualidade de vida, pois continuam a restringir os recursos destinados a projetos de pesquisa ou sanidade agropecuária.

O autor é Engenheiro Agrônomo, pesquisador da Embrapa Soja (www.gazzoni.pop.com.br)

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