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Imbróglio legal


Decio Luiz Gazzoni

Tudo começou em 5/1/95, com a Lei nº 8.974. O Presidente da República vetou o artigo que criava a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), porém o Decreto 1.752/95, que regulamentou a Lei, conferiu-lhe competências, definiu sua composição e vinculou-a ao Ministério da Ciência e Tecnologia. Provavelmente para consertar o primeiro ato do imbróglio, a Medida Provisória 2.191 “legalizou” a CTNBio, convalidando atos passados.

Crescendo na proibição

A confusão mal começara. Em 16/9/1998, a 11ª. Vara Federal impede que o Ministério da Agricultura registre as cultivares de soja transgênica, apesar do parecer favorável da CTNBio. Esta liminar suspendeu - apenas de direito - o plantio de soja RR no Brasil, até ser cassada em 2004. Desde esta oportunidade vivemos um mundo de faz de conta. Os agricultores, atraídos pelas vantagens alardeadas por seus colegas norte-americanos (70% da soja americana é transgênica) e argentinos (99,9% da soja argentina é transgênica), contrabandearam sementes de soja RR da Argentina, cultivando-a do Rio Grande do Sul ao Centro-Oeste. O volume de soja RR produzido foi de tal ordem, que o Governo Lula embarcou num moto perpétuo de medidas provisórias, cada qual jurando ser a última, e do qual não conseguiu se livrar.

Festival de MPs

Primeiro foi a MP 113, de 26/3/2002 (Lei nº 10.688 de 13/6/2003). Em 26/9/2003, veio a MP 131 (Lei 10.814 de 15/12/2003). Finalmente, em 15/10/2004, saiu a MP 223. Neste período, o Governador do Paraná rebelou-se contra o Governo Federal, exarando legislação que proibia o plantio e a comercialização liberados pelo Governo Federal, legislação esta considerada inconstitucional pela Justiça. O Governador conseguiu angariar contra si a oposição dos órgãos representativos dos agricultores do Paraná. Na esteira desta luta, a FAEP conseguiu que produtores rurais do Paraná podem plantar soja transgênica com sementes próprias, mesmo que não tenham assinado o Termo de Compromisso e Ajustamento de Conduta no ano passado, de acordo com liminar parcial concedida pela juíza Gisele Lemke, da 2ª Vara da Justiça Federal do Paraná, depois derrubada por um desembargador.

E o futuro?

Na esteira da soja RR, os agricultores aderiram a outro OGM, o algodão Bt, que controla determinadas pragas, reduzindo drasticamente o uso de agrotóxicos. O meio de campo embolou ainda mais com a decisão da CTNBio de liberar lotes de sementes contaminadas com algodão Bt. O remendo das MPs não soluciona o “imbróglio” da biotecnologia agrícola. O Brasil é muito grande no ranking internacional para viver em crise existencial. Ou nos engajamos na corrente dominante da biotecnologia, sem qualquer concessão em relação à biossegurança, ou investimos, fortemente, nos nossos institutos de pesquisa, para pavimentarmos um caminho alternativo. O que não podemos é ignorar que o sucesso no comércio internacional repousa em tecnologia competitiva. Postergarmos a decisão significa adiarmos a realização ou declinarmos do nosso potencial agrícola, matriz de emprego, renda e desenvolvimento.

E os consumidores?

Se os consumidores houvessem vislumbrado qualquer resquício de risco à saúde ou ao ambiente, ligado aos OGMs, estes teriam sido banidos do mercado, independentemente do desejo de governos, agricultores ou ONGs. O consumidor foi tranqüilizado pelas 300 milhões de toneladas de soja transgênica, consumidas nos últimos anos, sem que aflorasse qualquer suspeita de alergia ou outro distúrbio de saúde. A soja transgênica, produzida nos EUA, na Argentina ou no Brasil, é consumida, primordialmente, nos países do Primeiro Mundo. Seus cidadãos foram as cobaias, sujeitos a eventuais riscos à saúde. Não apenas os órgãos sanitários dos países ricos permitiram que o “teste” ocorresse com sua população, como não houve uma reação civil que o impedisse. Foi esta adesão do consumidor que fez explodir o plantio de OGMs no mundo. Resta ao Brasil resolver sua crise existencial, acabar com o imbróglio legal e decidir-se por um ou outro caminho tecnológico.

O autor é Engenheiro Agrônomo e pesquisador da Embrapa Soja. Homepage www.gazzoni.pop.com.br

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