![Decio Luiz Gazzoni](https://www.agrolink.com.br/upload/colunistas/307330_665232.jpg)
Vinho é como arte: precisa enxergar através de. Degustar um vinho envolve um quê de misticismo, de subjetividade, de paixão, de fé, de amor. Se racionalizar, corre-se o mesmo risco da prostituição – o ato é igual, mas o sabor não é o mesmo! Portanto, como um dublê de cientista e apreciador de vinhos, entendo que há limites para a intervenção da ciência na enologia. Avançar sim, aprimorar sempre, porém sem perder a aura que cerca o néctar de Baco.
A minha preocupação deriva do crescimento no mercado da empresa americana Enologix. Seu negócio é garantir a satisfação do vinicultor e do consumidor, a um custo mais baixo. E o que há de errado nisso? Nada, sob a lógica capitalista. Porém, arrisco dizer que se trata de um arremedo de prostituição, examinando sob o ângulo do misticismo que envolve a elaboração e a degustação de vinhos. A Enologix analisa a composição química dos vinhos mais consagrados do mundo, sejam eles franceses, italianos, argentinos, chilenos ou americanos. Valendo-se de uma escala (máximo de 100 pontos), desenvolvida por Robert Parker e James Laube, que classifica os vinhos de acordo com a sua qualidade, a empresa compara os vinhos em teste com os rótulos e safras que atingiram 100 pontos. Essa comparação é feita, exclusivamente, por análises químicas, constituindo um banco de dados poderoso, que é a base do seu negócio.
Talvez para Lula e Duda, que comemoraram após um debate eleitoral consumindo Romanée Conti de R$6.000,00 a garrafa, não faça muita diferença se ainda é o velho e bom Romanée Conti, ou um genérico saído da linha de produção automática - afinal, a análise química apresenta o mesmo resultado. Mais, et l´âme dans tout ça? (E a alma?). Para os compradores de suas informações, o proprietário da Enologix garante, com 95% de certeza, que o seu vinho vai reproduzir as características dos melhores terroirs. Afinal, o banco de dados da empresa ultrapassa 70.000 garrafas, cujas análises químicas orientam a produção de 15 casas vinícolas da Califórnia
Será a era da arte commoditie? Se esse é mais um preço da globalização, está ficando muito caro. Quais dos meus prazeres será o próximo alvo? Talvez algoritmos matemáticos para gerar quadros de van Gogh ou composições de Beethoven? Reproduzir os termos mais usados por Sócrates e Descartes? Quiçá Jean Marie Voltaire? Para mim, arte e ciência possuem as mesmas limitações de imiscibilidade de religião e ciência.