Um dos grandes desafios da Humanidade, nas próximas décadas, será oferecer alimento suficiente, e de qualidade, para uma população que ultrapassará 10 bilhões de indivíduos, em meados deste século. Além de produzir mais alimentos, será necessário reduzir desperdícios e garantir a sua inocuidade. Este artigo mostra como cientistas estão desenvolvendo tecnologias que permitem reduzir e, até, eliminar a contaminação bacteriana de alimentos, tornando-os mais seguros e diminuindo o desperdício.
Stephen C. Winans cunhou a expressão “quorum sensing”, em 1990 (bit.ly/3PqceSA). A melhor tradução para o português é “sensor de quórum”, e descreve um sistema que as bactérias utilizam para se comunicar por meio de sinais (bio)químicos, visando um objetivo, como a produção coordenada de fatores de virulência e toxinas, para obter sucesso em um ataque em massa a um determinado hospedeiro.
A partir da demonstração do processo acima, estudos foram realizados mostrando que o sistema de comunicação das bactérias poderia ser inibido. Uma das formas de inibição ocorre com o uso de extratos de plantas que contêm compostos fenólicos. Essas substâncias interferem na comunicação entre as bactérias, impedindo que elas “saibam” se estão em número suficiente para produzir toxinas. Porém, o mecanismo envolvido não estava claramente estabelecido, o que retardava a transformação do conhecimento básico em tecnologias úteis.
Coube a pesquisadores do Centro de Pesquisa de Alimentos da USP (bit.ly/3sDvva1) e da Cornell University aprofundarem a análise dos mecanismos envolvidos, o que resultou em um artigo publicado na revista Helyon (Quorum sensing interference by phenolic compounds – A matter of bacterial misunderstanding), o qual pode ser acessado em bit.ly/3L7KLmc.
Juntando informações de inúmeros artigos já publicados, os pesquisadores mostraram como os principais compostos fenólicos inibem a comunicação entre bactérias como Pseudomonas aeruginosa, Serratia marcescens e Salmonella spp., que estão entre as bactérias patogênicas mais importantes, que causam intoxicações alimentares na espécie humana e outros animais, que consomem alimentos por elas contaminados. De acordo com informações dos autores do estudo, mesmo baixas concentrações de alguns desses compostos fenólicos são suficientes para inibir a comunicação entre as bactérias, que é parte do processo de contaminação dos alimentos.
Inibição
Os cientistas classificaram os sistemas de inibição do quorum sensing em específico, não específico e indireto. Os inibidores específicos agem nas proteínas que produzem ou recebem as moléculas utilizadas pelas bactérias para sua comunicação. Sua ação pode ser comparada a um forte ruído em uma transmissão de rádio ou em um telefonema, que impede a correta compreensão do que é veiculado. Também foram identificadas algumas enzimas que degradam moléculas que atuam na sinalização, abortando a comunicação.
Os inibidores não específicos atuam na troca de moléculas mensageiras entre as células, que regulam o trânsito das moléculas mensageiras. Ao perturbar o trânsito de moléculas transportadores transmembrânicos, acabam por afetar o mecanismo de comunicação do quorum sensing. Finalmente, os inibidores indiretos atuam de maneira mais abrangente, interferindo no metabolismo da bactéria, de forma que, ao final, perturba a comunicação, evitando que seja bem-sucedida.
Entendendo os mecanismos de inibição, é possível investir no desenvolvimento de substâncias químicas que podem ser utilizadas diretamente nos alimentos ou nas embalagens, para reduzir o risco de contaminação bacteriana. Essa nova linha de abordagem também representa uma esperança de reduzir um grave problema de saúde pública, que é a resistência de bactérias patogênicas a antibióticos. Ou seja, quanto menos contaminação, menor a necessidade de uso de antibióticos, o que diminui a pressão de seleção, que, ao final, conduz à resistência aos mesmos.
O exposto mostra a importância de investimentos contínuos em Ciência e Tecnologia, para garantir que todos os cidadãos terão direito a alimento saudável e suficiente, em um futuro bem próximo.
O autor é Engenheiro Agrônomo, pesquisador da Embrapa Soja, membro do Conselho Científico Agro Sustentável e da Academia Brasileira de Ciência Agronômica.