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Embargo a carne bovina: preocupação sanitária ou mero jogo de interesse?


Mariana de Aragão Pereira

Este é meu "debut" como colunista do Agrolink e gostaria de aqui compartilhar algumas idéias sobre a cadeia produtiva da pecuária de corte no Brasil. Como zootecnista, pesquisadora, e principalmente, como brasileira, me vejo preocupada com alguns acontecimentos no mercado internacional da carne. Apesar de o Brasil, continuar na liderança das exportações mundiais de carne bovina, alguns entraves vêm danificando a imagem do nosso produto em diversos países.

Os focos de febre aftosa, para citar um exemplo, além de terem nos fechado portas além-mar, desencadearam uma alarmante estagnação na pecuária do Estado de Mato Grosso do Sul, tanto no setor produtivo quanto no setor de insumos e serviços agropecuários.  Apesar do excelente trabalho de controle da doença, o dano já estava feito, bastando-nos remediar seus efeitos.  Em função disso, mais de 50 países suspenderam a importação de carne brasileira.

A preocupação com a saúde da população e a proteção ao consumidor são soberanas em qualquer país e estão acima de qualquer interesse econômico. O que me causa espanto é que em nome da preocupação sanitária, diversos países embargaram a carne bovina do Brasil como um todo, esquecendo de suas dimensões continentais. Não se deram conta que o foco em um local fronteiriço pode ser mais perigoso para o país vizinho do que para o Estado vizinho, que às vezes se encontra há vários quilômetros de distância. A China, por exemplo, não separa os Estados brasileiros em termos fitossanitários e embargou por completo a carne bovina do Brasil. O curioso é que, se oficialmente o recado é que há dúvidas quanto à qualidade de nossa carne, extra-oficialmente os chineses parecem reconhecer o acesso da carne brasileira a mercados mundiais, visto que denúncias de falsificação do produto brasileiro têm sido veiculadas na mídia. Segundo Jamil Chade, do Estadão (27/06/2007), carne chinesa estaria sendo empacotada como se fosse brasileira, inclusive com rótulos em português.

Na verdade, um protecionismo disfarçado vem tomando lugar em várias negociações internacionais. Além dos subsídios adotados por diversos países, que resultam na deturpação de preços internacionais e no estreitamento de margens dos produtores de países em desenvolvimento, as barreiras não tarifárias representam o principal desafio brasileiro no mercado mundial de commodities. É verdade que há legitimidade nesses tipos de barreiras comerciais, quando pensamos que não é justo sacrificarmos nossa floresta amazônica para a produção de grãos e carne, quando ainda há muita oportunidade de crescimento via incremento de produtividade. Porém, não podemos ser ingênuos a ponto de não reconhecermos que por trás de várias dessas barreiras não tarifárias há um jogo político de interesses visando proteger produtores em países desenvolvidos.

Cada vez mais aspectos como qualidade fitossanitária, foodmiles (você já ouviu falar disso?), transgênicos/orgânicos, responsabilidade social, impacto ambiental, bem-estar animal entre outras novidades estarão em pauta nas "mesas" de negociações entre os países. Em todos esses temas é possível enxergar oportunidades de mercado para o Brasil, mas que podem tranformar-se em ameaças reais, caso não façamos nosso dever de casa.

Já dizia o provérbio que "no amor e na guerra tudo é possível". Na guerra pela conquista de novos mercados, portanto, podemos esperar qualquer tipo de desculpa para vermos nossas exportações bloqueadas e nossos produtos desqualificados. Aliás, isso não é novidade. Um exemplo recente foi veiculado pela agência Reuters, noticiando que a Associação de Fazendeiros da Irlanda exigia a suspensão imediata das importações da carne bovina brasileira sob a alegação de que o produto era impróprio para o consumo segundo os critérios europeus. Acusavam ainda nossos pecuaristas de usar medicamentos e hormônio de crescimento ilegal.  A primeira pergunta que me veio à mente foi: Com que base eles afirmam isso? Eles vieram ao Brasil e constataram tal situação? Teriam eles os nomes dos produtores que agiram ilegalmente (pois isso é caso de polícia)? Para minha surpresa, eles não visitaram uma propriedade sequer credenciada para a venda de carne tipo exportação. Não é preciso pensar muito para imaginar que este grupo de irlandeses, produtores de carne bovina na Europa, está lutando para garantir sua permanência no mercado, visto que eles estão perdendo espaço para a carne bovina brasileira.

Tudo nos leva a crer que essas e outras tentativas de "sujar" a imagem do produto brasileiro no mercado internacional, não apenas devem persistir, como devem aumentar à medida que avançarmos ainda mais nossas exportações agropecuárias. Por esse motivo é preciso estarmos preparados para os desafios que se colocam a nossa frente. Externamente, o país precisa intensificar ainda mais seus esforços no sentido de promover a carne bovina brasileira, como um produto saudavel, natural e de alta qualidade. É preciso expandir o rol de produtos e atender não apenas os mercados tipo carne-preço, mas sobretudo, mercados de alto valor agregado. Além disso, uma postura mais agressiva na OMC é esperada do Brasil e demais integrantes do G-22 no sentido de pressionarem os países desenvolvidos a reduzirem seus subsídios.

Internamente, o Brasil precisa priorizar as ações de controle fitossanitário assim como programas de rastreabilidade e certificação, que são o nosso passaporte de acesso aos mercados internacionais. É necessário ainda que os pecuaristas adotem novas tecnologias, aprimorem a gestão dos negócios e busquem incessantemente atingir a tão sonhada sustentabilidade de seus sistemas de produção, entendida aqui como um ponto de equilíbrio entre o econômico, o social, o ambiental e tendo como princípio a ética profissional.  Por sua vez, o setor frigorífico brasileiro, um dos mais modernos do mundo, não pode se permitir passar pelos constrangimentos de ter seus certificados questionados, suspeitos de falsificação (matéria veiculada pelo jornal O Estadão em 04/06/2007). É preciso entender e colocar em prática, de uma vez por todas, o conceito de cadeia produtiva, onde os elos estão interligados e são interdependentes.  Assim, se houver falhas em qualquer um dos elos dessa aliança, todos saem perdendo: produtores, frigoríficos, exportadores, consumidores e por fim o Brasil. Afinal, anos de trabalho árduo podem ir por água abaixo em questão de minutos.

É chegada a hora de reconhecermos a importância da pecuária brasileira, não apenas pelos cifrões que ela gera para o país, mais pricipalmente, pelo esforço e dedicação de milhões de pessoas sérias, éticas e comprometidas com o desenvolvimento dessa cadeia produtiva. Até a próxima!!!

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