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E as outras dívidas?


Decio Luiz Gazzoni

Há cerca de um mês, após proferir uma conferência, fui inquirido sobre o entrave ao crescimento do agronegócio nacional, em função das deficiências de transporte e armazenamento. “Companheiro, você não acha que existe uma dívida de infra-estrutura do Governo brasileiro para com o sistema produtivo?” foi a pergunta objetiva. A qual me trouxe à mente as análises de antanho – corretissimas! – do Partido dos Trabalhadores sobre a multiplicidade das dívidas do Governo para com a Nação e a Sociedade, e o questionamento sobre a prioridade absoluta para uma delas – a dívida com o setor financeiro. “E as demais dívidas - social, de infra-estrutura, educacional, ambiental, de justiça – quem as quita?” indagavam os próceres do PT aos governos passados.

A dívida financeira

Pilastra central do neo-liberalismo, a prioridade absoluta ao pagamento do principal e de juros da dívida constitui-se na bigorna que aborta o desenvolvimento de países emergentes que adotam esta política. O exemplo do Brasil é irrefutável: o superávit primário que o FMI impôs - e o Governo brasileiro ampliou - apesar de provocar uma recessão no país, permitiu pagar 40% do serviço da dívida. Os outros 60% (e o principal) foram refinanciados, o que aumentou a dívida, gerando um ciclo vicioso que a torna impagável e que torniqueteia o desenvolvimento.

Por que a prioridade?

Ao opor-se a essa prioridade, o PT antigo tinha duas alegações. A primeira indicava que, por conta dos “spreads” aplicados sobre os juros (justificados pelo risco Brasil), a dívida já havia sido paga há muito tempo, portanto sua negação não se constituiria em calote. A segunda vertente exigia que o atendimento a outras demandas, de cunho social e desenvolvimentista, deveria ter prioridade sobre a dívida financeira. Com essa análise propalava-se a esperança de não ter medo de ser feliz!

A dívida social

Composta por carência de empregos, baixos salários, má distribuição de renda, falta de escolas e professores, déficit de postos de saúde, hospitais e laboratórios, má remuneração de profissionais de saúde, falta de policiamento, remuneração inadequada dos policiais entre outras, essa dívida foi o eixo condutor da proposta de Governo do candidato Luiz Inácio Lula da Silva. O questionamento da sociedade, que hoje se observa, remete à negação do compromisso e à reversão das expectativas. Havia uma promessa explícita de repactuação dos compromissos financeiros, os quais deveriam subordinar-se a uma agenda social prioritária. Infelizmente, essa agenda foi remetida às calendas gregas, matriz do desencanto, da frustração e da desesperança atual da cidadania.

A dívida de infra-estrutura

Não localizei estimativas oficiais ou oficiosas que apontassem para o montante necessário apenas – e tão somente – para recuperar as estradas brasileiras. Cálculos aproximados indicam que o custo de uma operação tapa-buracos aproximar-se-ia de R$70 bilhões. Que dizer do restante da infra-estrutura, aí inclusa as malhas ferroviária e hidroviária, novas estradas, portos e aeroportos, adequação da capacidade de armazenamento, oferta de energia, entre outros. Nessa conta também deve ser pendurada a dívida com inovação, resgatando do sucateamento as universidades e os institutos de C&T, mola propulsora da competitividade e do desenvolvimento nacional.

A prioridade das dívidas

Sem originalidade - porque esse questionamento era um patrimônio do Partido dos Trabalhadores, o que a sociedade pergunta é: dada a multiplicidade de dívidas do Governo para com diferentes corporações e estamentos sociais, por que a prioridade ao pagamento da dívida financeira, cujas raízes perdem-se na História e que sempre teve lugar de destaque na agenda dos políticos conservadores? Eu me confesso tão estupefato quanto os demais cidadãos brasileiros. Tive resposta adequada para a pergunta do primeiro parágrafo, porém não tenho para esta.

O autor é Engenheiro Agrônomo, pesquisador da Embrapa Soja. Homepage: www.gazzoni.pop.com.br

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