A população mundial continuará crescendo por, no mínimo, mais 40 anos; já a renda per capita aumentará por longo tempo. Os dois fatores são os principais responsáveis pelo incremento na demanda de alimentos no mundo. Já a oferta depende, primordialmente, da disponibilidade de área adicional, que já é restrita; e da produtividade, que depende de inovações tecnológicas e de sua adoção, mas ambos os fatores serão negativamente afetados pelas mudanças climáticas em curso.
Estimativas da FAO apontam para a necessidade de aumentar a produção de alimentos em 50%, a fim de atender a demanda mundial em 2050 (urx1.com/b4XTV). Nesse contexto, toda a contribuição para atender o consumo global passa a ser importante. Uma delas é a redução do desperdício de alimentos para os valores mínimos, tecnicamente possíveis. Um estudo do Instituto de Engenharia Mecânica do Reino Unido apontou que 30-50% dos alimentos produzidos no mundo são perdidos ao longo da cadeia, entre as lavouras e os estômagos humanos (l1nk.dev/VKXRU). Esses números se tornam ainda mais inaceitáveis quando a FAO nos informa que, em 2021, cerca de 828 milhões de pessoas no mundo foram atingidas pela fome (l1nq.com/cFWtY).
Parte das perdas situa-se nos elos iniciais da cadeia, envolvendo produção, armazenamento, transporte e processamento dos produtos agrícolas. O valor estimado para perdas nessa etapa é de 15% (urx1.com/S30IB). Entre 2000 e 2020, a produção global dos cinco principais grãos (arroz, trigo, milho, soja e cevada) cresceu 50%, sendo o Brasil o principal responsável, com um incremento de 109% na produção. Como o referencial de perdas é um valor percentual, conforme aumenta a produção agrícola, as perdas em volume crescem na mesma proporção.
Técnicos da Conab debruçaram-se sobre a perda de grãos na etapa inicial das cadeias dos cinco principais grãos, (l1nk.dev/MJ02t), obtendo os resultados apresentados a seguir.
Perdas globais
A soma da produção mundial de arroz, cevada, milho, soja e trigo, em 2020, foi de 3,05 Gt (faostat.fao.org). Com base nela, os autores projetaram uma perda de 458,1 Mt, o que equivale a quase duas vezes a produção brasileira. Considerando as cotações de mercado de março de 2022, para cada produto (acesse.one/dTw6M), as perdas ascenderam a US$176,1 bilhões. Esse valor é superior à soma do PIB de mais da metade dos países da América Latina e Caribe (urx1.com/9aOYP).
Em termos de conteúdo calórico, as perdas de grãos atingem 1.600 trilhões de kcal, o que permitiria atender a demanda energética de 120% da população mundial afetada por deficiência nutricional, de acordo com a estimativa da FAO.
Perdas no Brasil
Para 2020, a Conab estimou a produção brasileira dos cinco principais grãos em 244,8 milhões de toneladas. Utilizando-se o mesmo índice acima (15%), o montante de perdas é estimado em 36,7 Mt. De acordo com a cotação dos produtos em 21-25/3/2022, a estimativa é de perdas equivalentes a R$84,8 bilhões. A energia contida nas perdas é de 139,3 trilhões de kcal, que atenderia a demanda energética de oito vezes a população considerada nutricionalmente vulnerável, no Brasil.
O valor das perdas (R$84,8 bilhões) permitiria adquirir 134,8 milhões de cestas básicas. Sendo essas dimensionadas para suprir a necessidade de um trabalhador adulto, durante 30 dias, seria possível alimentar 11,2 milhões de pessoas por ano, ou quase 60% dos brasileiros que enfrentaram a fome no ano de 2020, conforme estimativas do Governo Federal (l1nq.com/b5N8J).
Os números acima convidam para uma reflexão de produtores, agrônomos, lideranças setoriais, formuladores de políticas públicas, autoridades governamentais, e de todos os brasileiros. O foco deve ser a redução da maior quantidade possível de perdas de alimentos, no menor lapso de tempo possível, atendendo a demanda de alimentos do mundo, de forma cada vez mais sustentável.
O autor é Engenheiro Agrônomo, pesquisador da Embrapa Soja, membro do Conselho Científico Agro Sustentável, do Comitê Estratégico Soja Brasil e da Academia Brasileira de Ciência Agronômica.