CI

Desestímulo ao investimento em tecnologias agrícolas


Amélio Dall’Agnol

Há quem questione os supostos altos retornos auferidos por empresas nacionais e transnacionais, na comercialização de produtos por elas desenvolvidos, por causa dos royalties cobrados como prêmio pelo êxito do seu desenvolvimento. Assim é com os remédios, com os defensivos agrícolas e até com as sementes melhoradas.

A queixa mais recente é dos produtores de soja contra a Monsanto, por conta da cobrança de uma taxa (R$ 0,30/kg de semente) para quem usa cultivares transgênicas RR (RoundUp Ready) de sua propriedade. Essas cultivares sobrevivem à aplicação do herbicida glyphosato, produto que, quando pulverizado sobre as plantas, tem a capacidade de matar todas aquelas que não contam com a proteção desse gene. As plantas que não contam com a proteção do gene RR numa lavoura de soja transgênica são justamente as que queremos ver eliminadas: as ervas daninhas.

O gene RR foi identificado em uma bactéria do solo pelos cientistas da Monsanto e por eles incorporado no DNA da soja, através de técnicas de engenharia genética, após anos de estudos e milhões de dólares gastos com investimentos em pesquisa. A tecnologia, embora eleve o custo da semente, reduz na mesma proporção os gastos com os herbicidas que controlam as ervas daninhas, cujo controle passa a ser realizado com a utilização de um único produto (o glyphosato), em substituição aos vários herbicidas utilizados no cultivo de soja convencional.

A tecnologia é boa e trouxe ao produtor de soja vantagens econômicas e operacionais, ao proporcionar um controle mais simples e eficiente das ervas daninhas, reduzindo a mato-competição e, conseqüentemente, aumentando a produtividade. Não há incrementos de produção pelo uso de cultivares transgênicas, mas pode haver pelo uso da tecnologia. Essa vantagem é mais percebida pelos pequenos e médios produtores, geralmente menos eficientes no complexo uso das tecnologias de aplicação dos herbicidas convencionais.

Os benefícios da utilização da semente transgênica são percebidos pelo produtor, que deveria, como contrapartida, reconhecer o direito que o obtentor da tecnologia tem de receber retornos pelo êxito desse desenvolvimento, como forma de ressarcimento pelos gastos efetuados durante os anos de investigação, até chegar ao produto comercial. O produtor desconhece, assim como nós, quantas tentativas frustradas houve até chegar-se a esse produto e quanto custaram essas tentativas que não resultaram em benefícios para o investidor.

Muitos produtores de soja, particularmente no sul do País, têm utilizado, ao longo dos últimos anos, sementes piratas de origem clandestina, não pagando taxa pelo uso da tecnologia do gene RR e tampouco royalties pelo uso da cultivar. O produtor poderia, até, argumentar que foi induzido a fazer isso porque a legislação brasileira não permitia o cultivo legal. A desculpa acabou. Agora pode.

Mas, embora o produtor não mais possa escapar do pagamento da taxa tecnológica à Monsanto pelo uso de cultivares transgênicas RR, seja semeando grãos próprios ou piratas (2% sobre a produção na hora da venda), seja semeando cultivares legalizadas (0,30 R$/kg de semente), ele não está obrigado a pagar royalties pelo uso da cultivar, desde que produza a própria "semente".

Seria oportuno, no entanto, ele considerar a possibilidade de estar dando um tiro no próprio pé. Semente salva de produção própria não é semente, é grão. E grão produzido sem os cuidados dispensados a uma lavoura registrada para produzir semente, muito provavelmente terá menos vigor e menor poder germinativo, resultando em plantas com menor capacidade produtiva. Essa provável redução na produtividade, como conseqüência da utilização de grão no lugar de semente, pagaria várias vezes o custo da semente adquirida de produtor registrado.

Desenvolver uma nova cultivar leva anos e custa muito dinheiro. É necessário desenvolver e testar centenas de milhares de plantas, ao longo de 10 a 12 anos, até chegar a um produto superior aos já existentes no mercado. Se o obtentor de uma nova cultivar não tiver a expectativa de poder ressarcir-se dos gastos feitos no seu desenvolvimento e, ainda, obter algum lucro com a sua comercialização, não mais haverá quem se interesse por essa atividade. Novas cultivares serão coisa do passado.

Neste exato momento, às vésperas de se iniciar uma nova safra de verão, o sojicultor brasileiro está enfrentando o dilema de semear ou não, considerando a possibilidade de colher prejuízos ao invés de lucros. O panorama do agronegócio da soja não está bom e precisa mudar para manter-se competitivo, seja reduzindo os custos de produção, sem redução da produtividade, seja obtendo melhores preços de comercialização, via mudança no câmbio ou valorização do produto no mercado internacional. A valorização do produto no mercado mundial não é esperada, visto que os EUA, maior produtor mundial de soja, estão colhendo a terceira maior safra consecutiva de soja da sua história, gerando estoques que inibirão o aumento de preço.

Uma das principais causas pelo aumento nos custos de produção é o tratamento contra a ferrugem asiática, a mais destrutiva doença da soja, que, embora tenha aparecido nas lavouras brasileiras há apenas cinco anos, sua virulência cresce a cada ano, demandando pulverizações cada vez mais freqüentes, o que resulta em custos que ameaçam a viabilidade econômica desse cultivo.

O produtor deve estar ansiando por uma cultivar de soja resistente a essa terrível doença. Na verdade, esse também é o desejo de muitos cientistas que trabalham em empresas de pesquisa brasileiras e estrangeiras, públicas e privadas, todas empenhando imensos esforços e gastando milhões de dólares na busca desse material genético.

Mas esses gastos de tempo e dinheiro poderão resultar em nada, senão para todos, para alguns dos investidores, razão pela qual, quem se aventura nesse tipo de iniciativa precisa ter a certeza de que será recompensado economicamente, na eventualidade de ter êxito no desenvolvimento dessa cultivar. Sem a expectativa de recuperar os gastos realizados com desenvolvimentos de sucesso e auferir lucros para pagar os custos de iniciativas que não resultam em benefícios, não haverá estímulos a novos desenvolvimentos tecnológicos e o produtor irá perder.

Os produtores precisam entender que, quando pagam royalties pelo cultivo de uma nova cultivar ou taxa tecnológica pelo uso de um novo gene, não estão sendo explorados, mas apenas pagando pelo trabalho e pelos gastos feitos por alguém que desenvolveu algo que melhorou a sua vida, seja facilitando o seu trabalho e/ou proporcionando aumentos na sua renda. Cultivares de soja resistentes, ou ao menos tolerantes ao fungo da ferrugem asiática, poderão aparecer dentro de quatro ou cinco anos, como resultado dos esforços que estão sendo realizados no Brasil e no exterior, mas novas pragas e doenças aparecerão e ninguém investirá para solucioná-las se não tiver a perspectiva de lucros pelos eventuais desenvolvimentos de sucesso.

Quem investe em novos desenvolvimentos tecnológicos o faz na expectativa do lucro, igual ao produtor quando semeia uma nova cultivar, pensando no lucro que terá pela venda de uma produção maior. O produtor que cultiva o seu próprio grão ou, pior, compra grão pirata de vizinhos, pode estar perdendo duas vezes: primeiro, porque poderá produzir menos com "sementes" de má qualidade e, segundo, porque estará inviabilizando ou retardando o desenvolvimento de cultivares mais produtivas.

Produtor, embora a lei o faculte a semear o próprio grão, faça as contas e certifique-se das reais vantagens dessa atitude. Você sabe que o potencial produtivo da semente certificada é maior do que a do grão e, certamente, também sabe que, se todos os produtores optarem pelo plantio do próprio grão, não mais haverá quem desenvolva novas cultivares.

Assine a nossa newsletter e receba nossas notícias e informações direto no seu email

Usamos cookies para armazenar informações sobre como você usa o site para tornar sua experiência personalizada. Leia os nossos Termos de Uso e a Privacidade.