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Cinismo e Hipocrisia na Abertura da Economia


Amélio Dall’Agnol

Por definição, globalização seria a integração de todos os mercados locais num único e grande mercado global, sem fronteiras e nem bandeiras. Nesse ambiente, nações, empresas e indivíduos competiriam em igualdade de condições, sobrevivendo os mais capazes de oferecer ao consumidor sem pátria, a melhor combinação entre preço e qualidade.

Isto na teoria. Na prática, é bem outra a coisa. Despudoradas restrições fiscais, tarifárias, alfandegárias, burocráticas, retaliatórias, ecológicas, compensatórias, sanitárias, entre outras, continuam a proteger os mercados de nações que se utilizam desses espúreos mecanismos para prover competitividade aos seus cidadãos e empresas, num mercado, onde, sem o intervencionismo de seus governos, não teriam condições de sobreviver. Lembram-se do vale tudo do Canadá-da-Vaca-Louca? Incomodado com a ameaça brasileira às suas exportações de carne e aviões, retalhou o governo brasileiro proibindo o consumo da nossa carne em seu território, com o cínico argumento de estar protegendo a saúde humana e animal em seu país, consciente dos efeitos catastróficos que tão irresponsável medida causaria ao comércio internacional da carne do Brasil, que, sendo detentor do maior rebanho bovino do mundo, caminha aceleradamente para tornar-se, também, o maior exportador mundial de proteína animal.

Há que estar alerta, pois quem enlouqueceu a nossa vaca, poderá fazer o mesmo contra o nosso frango, café, açúcar, frutas ou soja. Tudo é possível no reino do capitalismo selvagem, onde falta ética e o único objetivo é o dinheiro. “Nas relações comerciais entre os povos não há lugar para amigos nem para inimigos: só para negócios,” ensinava o diplomata americano John Foster Dulles. A conquista de mercados é muito mais que um negócio, é uma guerra, cuja vitória parece justificar o uso de qualquer meio, até da calúnia e da difamação, a julgar pelo comportamento do Canadá nesse episódio.

“O livre comércio é o melhor atalho para a prosperidade global. Uma ruptura ou reversão desse processo seria uma tragédia”, alerta Alan Greenspan, presidente do Banco Central americano. A globalização, gostemos dela ou não, é um processo irreversível, pelos evidentes e inquestionáveis benefícios que trouxe e traz à humanidade, desencadeando um choque de competitividade sem precedentes na história da humanidade, de onde resultaram produtos e serviços melhores, com custos e preços menores, acabando, inclusive, com a inflação de demanda, responsável pelo fracasso de tantos planos econômicos brasileiros. O que se questiona, no entanto, não é o mecanismo, mas a desigual distribuição dos seus benefícios, que visivelmente tem privilegiado e discriminado nações e indivíduos, fazendo os ricos ficarem mais ricos e os pobres mais pobres.

Para ilustrar: mais de 50% da riqueza mundial está em mãos de cidadãos norte americanos, existindo, como conseqüência, mais telefones em Nova York do que entre os 773 milhões de habitantes de todo o Sub-Saara africano.

São essas iniqüidades que geram indignação e justos protestos, mundo afora. Algo está errado e não é culpa da globalização e sim do mau uso que é feito dela. Com a abertura dos mercados, as nações ricas passaram a vender cada vez mais às nações pobres e delas comprando cada vez menos, graças ao seu maior nível tecnológico, mas, também, graças aos subsídios velados e ao protecionismo descarado que praticam em favor dos seus mercados, resultando numa sociedade mais injusta e iníqua, hoje, do que a existente a 50 anos, quando teve início a explosão do comércio mundial que originou o que hoje chamamos de globalização.

Por outro lado, melhor que protestar raivosamente, feito um Dom Quixote contra os moinhos de vento, seria reconhecer as virtudes da globalização e contribuir para aperfeiçoá-la, tornando o mecanismo mais justo e humano. Afinal de contas, a globalização não surgiu da maquinação diabólica de governos ricos ou multinacionais gananciosas e nem é produto do Neoliberalismo selvagem das grandes potências econômicas. É subproduto, isto sim, do desenvolvimento tecnológico da humanidade, hoje capaz de aproximar cidadãos dos mais remotos locais deste Planeta num piscar de olhos, mas, infelizmente, ainda incapaz de fazer as “democracias” dominantes olharem para o quintal do vizinho e compreenderem o significado da palavra solidariedade.

Precisamos reagir contra a arrogância e prepotência com que os países industrializados nos impõem as regras do comércio mundial que, ato contínuo, eles próprios não as cumprem, valendo-se de subterfúgios inaceitáveis e justificativas esfarrapadas - como as da vaca louca – para fugir do cumprimento das regras por eles mesmos estabelecidas, numa típica atitude do “faça o que eu digo mas não faça o que eu faço”.

Nossas autoridades já se aperceberam da falácia das propostas globalizantes do Primeiro Mundo e começaram a reagir com firmeza e coragem às falsas promessas de abertura dos mercados, que, na prática, só ocorreu de lá para cá. “Nós não queremos simplesmente abrir aqui, para importar, importar e importar, enquanto nós não exportamos nada. Não se trata de discutir apenas a redução das tarifas de importação, mas, também, as barreiras não tarifárias, senão não adianta. Baixa a tarifa, mas depois tem barreira não tarifária e um protecionismo danado”. (Presidente Fernando Henrique Cardoso, em encontro da Cúpula do Mercosul). Apenas para ilustrar: em plena vigência do mercado globalizado (1992 a 1998), a União Europeia conseguiu incrementar em 294% suas exportações aos países do Mercosul, contra 29% no sentido contrário. O protecionismo deles fez a diferença.

A ganância nunca satisfeita do capitalismo selvagem dos países ricos, cuja prosperidade e desenvolvimento foram, em boa parte, construídos às custas da pobreza e subdesenvolvimento do Terceiro Mundo, liberaram seus mercados, sim, mas apenas para produtos nos quais já firmaram liderança competitiva, enquanto continuam impondo barreiras e dificultando ao máximo a entrada em seus territórios de produtos frente aos quais não têm condições de competir; os agrícolas, por exemplo. ”Os países ricos defendem a abertura do mercado de lá para cá, mas daqui para lá continuam fechados e protecionistas para seus produtos e produtores. Sem acordos que incluam os produtos agrícolas agora, não se negocia mais nada na Organização Mundial do Comercio e não será preciso realizar a próxima rodada (Marcus Vinícius Pratini de Morais, ministro da Agricultura do Brasil).

A propósito da vaca louca, o tiro saiu pela culatra. Os canadenses acabaram avalizando a qualidade da nossa carne, dando um atestado de sanidade que promoveu o produto brasileiro mundo afora. Hoje vendemos mais e melhor e as perspectivas são de rir à toa. Muito obrigado Canadá.

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