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Cana-de-açúcar, uma usina viva


Decio Luiz Gazzoni

quatro anos, durante uma palestra em Piracicaba, aventurei-me a prever que, até meados dessa década, a produção brasileira de álcool ultrapassaria 15 bilhões de litros, dobrando este volume antes de 2015, sendo a maior parcela destinado à exportação. Naquela oportunidade também asseverei que, em 2005, estaríamos exportando mais de US$500 milhões em álcool, quase o quádruplo do valor do início do século. Corri o risco de fazer esta afirmativa perante uma platéia de especialistas na cadeia da cana-de-açúcar, baseado no que pude observar em países europeus, ansiosos por reverterem a roda do tempo que os levou ao monopólio da energia fóssil.

 

Os números

Com alegria verifico que, em 2004, auferimos US$515 milhões com a exportação de 2,2 bilhões de litros de álcool. E, na presente safra, a previsão é de produzirmos...15 bilhões de litros! Entusiasmado pelo acerto, ouso mais: até 2020, a cana-de-açúcar representará, para a agricultura brasileira, o que a soja é hoje. Porém, por pouco tempo, pois, felizmente para o Brasil, o negócio biodiesel crescerá de tal maneira na primeira metade deste século, que as oleaginosas para produção de energia acabarão por superar o valor de mercado da cana-de-açúcar

 

Multiuso

Mas a cana não é açúcar e álcool. Se o futuro será promissor para alcoolquímica e a sucroquímica, o presente é representado pela energia extraída da cana. Energia para seres vivos (açúcar), para veículos leves (álcool) e para indústrias e residências (energia elétrica). Com a chegada dos veículos multi-combustíveis, o álcool combustível ganhou novo impulso e credibilidade, passando apenas a depender da oferta, das políticas tributária e energética, que definirão a relação de preço álcool/gasolina.

 

A bio-usina

Uma tonelada de cana contém 1,7 Gcal, equivalendo a 1,2 barris de petróleo. A produção de 350 milhões de toneladas de cana (2004) equivaleu a mais de 50% do consumo de combustíveis de petróleo do Brasil (nacional e importado)! Cada hectare de cana, além de produzir 7.300 litros de álcool (490 Mcal) gera 512 Mcal a partir da palhada, 598 Mcal extraídas do bagaço e 62 Mcal do biogás obtido do vinhoto. O poder calorífico da palha, com 30% de umidade, é de 2,2 Mcal/t, enquanto o bagaço, com 50% de umidade, gera 1,8 Mcal/t. Entre outros usos, o bagaço e a palhada podem ser queimados, para produzir eletricidade. Estudo do MCT (http://www.mct.gov.br/clima/comunic_old/coperal5.htm) determinou que, para cada caloria empregada na produção e processamento de cana, é possível gerar de 9 a 11 calorias.

 

Eletricidade de cana

O processo é simples, consistindo da queima do resíduo para geração de vapor, que movimenta uma turbina geradora de eletricidade. Mesmo instalações ineficientes produzem 20-30KWh/ton de cana. Com a modernização de turbinas e aumento de pressão, este valor pode chegar a 80 KWh. Acrescentando-se a queima da palhada, pode-se duplicar a energia elétrica co-gerada. Uma vez obtida a energia elétrica, esta tanto pode ser utilizada nos processos internos de processamento da cana, quanto colocada na rede interligada.

 

Potencial

Um levantamento efetuado em 2003 indicou que a produção de energia elétrica, para consumo próprio, nas usinas de cana-de-açúcar era de 1.485MW, o excedente era de 619MW, encontravam-se em construção instalações para mais 75MW e em processo de outorga outros 350MW. Para atender a meta de crescimento econômico (4% a 5% ao ano) até 2008, a base instalada no país (hoje 85 GW) deveria crescer para 106,6 GW, desnudando um déficit de 21 GW a ser solvido em 4 anos. Nas condições atuais, o setor sucroalcooleiro pode contribuir com 11% da energia adicional, pela co-geração de energia através da queima do bagaço de cana, e mais ainda se for considerada a queima da palhada. Com todo este potencial energético, nada mais justo que considerar a cana uma legítima bio-usina.

 

O autor é Engenheiro Agrônomo, pesquisador da Embrapa Soja. Homepage www.gazzoni.pop.com.br

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