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Alimento barato e segurança alimentar


Amélio Dall’Agnol
Quando o tema é alimento, os interesses do produtor e do consumidor são diametralmente opostos. Este, por razões óbvias, deseja que o preço seja menor a cada nova ida ao supermercado, enquanto aquele torce para que a tonelada de grãos ou de carne tenha preço maior a cada nova safra.

Ao longo das quatro últimas décadas, o consumidor tem levado vantagem. O preço dos alimentos recuou mais de 50% no período, levando muitos produtores rurais à falência, dada a ausência ou insuficiência de lucros na venda da produção e tudo indicava que a alta substantiva do preço dos produtos agrícolas, a partir de 2007, devolveria a dignidade perdida ao produtor rural, para quem se previa um longo período de fartura - até 15 anos de preços altos, no entender de alguns analistas.  
Contudo, a alta do preço dos produtos agrícolas veio acompanhada de igual alta no preço dos insumos de produção. E, pior, a derrocada das bolsas promoveu uma queda generalizada no preço das commodities agrícolas, que só não causou pânico entre os produtores, porque seus efeitos foram dissimulados pela valorização simultânea do dólar.  

É certo que a alta no preço dos alimentos alcançou níveis especulativos na primeira metade de 2008, mas está equivocado quem pensa que seus preços possam retornar aos níveis de 2006, posto que, com exceção da especulação financeira patrocinada pelos fundos de investimento, as demais forças que determinaram a alta no preço desses produtos permanecem quase inalteradas:

1. O crescimento da economia mundial, que aumentou a renda/capita dos cidadãos, que promoveu a alta no consumo dos alimentos, que reduziu os estoques mundiais, continua crescendo nos países emergentes (onde vive a maior parcela da humanidade), embora a um ritmo menor;

2. O aumento no custo de produção, como conseqüência da alta dos fertilizantes, do petróleo e de outros insumos, máquinas e equipamentos, continua elevado;

3. O crescimento do número de consumidores, como resultado do aumento vegetativo da população (seis milhões/mês) e da sobrevida dos idosos, continua inalterado, mantendo em alta a demanda por produtos do campo;

4. O baixo nível dos estoques mundiais de alimentos continuará a pressionar seus preços para cima, enquanto a distorção não for corrigida;

5. Nada garante que os problemas climáticos que afetaram com estiagens a produção da Austrália e da Ucrânia em 2007 e causaram inundações nos EUA em 2008, não prejudiquem, também, as colheitas de 2009 e futuras e,

6. O consumo de grãos para produzir biocombustíveis não dá o menor sinal de desaceleração e, tudo indica, continuará em alta, mantendo os preços agrícolas aquecidos.

Feitas estas considerações, parece racional acreditar que a demanda por alimentos continuará em ascensão, nada justificando, portanto, a manutenção da queda dos produtos agrícolas, cujos preços deverão estabilizar-se em patamares superiores aos atuais. Acreditar em preços de mercado inferiores aos atuais, seria admitir que o crescimento dos emergentes é uma farsa e que a China é uma bolha prestes a estourar.

A recente elevação do preço dos alimentos era necessária e foi bem vinda, pois a ausência ou insuficiência de lucro no campo, como a ocorrida em 2005 e 2006, poderia desestimular o produtor e levá-lo a reduzir a área cultivada, diminuindo a produção e estimulando uma nova escalada de preços. Isto, e não a falta de terras agricultáveis, é uma verdadeira ameaça à segurança alimentar do planeta, que tem muita terra disponível, principalmente no Brasil, e que só não está sendo utilizada para a produção de mais alimentos porque não há renda para incrementar a demanda, embora quase um bilhão de pessoas ainda passe fome.

Muitos desses famintos vivem no campo e são eles próprios produtores. Vivem cercados de comida, mas não a comem porque precisam vendê-la para obter o dinheiro exigido para necessidades mais urgentes – inclusive remédios para combater doenças causadas pela desnutrição: um paradoxo.

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