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A soja safrinha


Amélio Dall’Agnol
No começo dos anos 80 os agricultores do Oeste do Paraná deram início a uma aventura que deu certo: o milho safrinha. Inicialmente o avanço foi lento, dada a desconfiança da maioria dos produtores e, também, porque o novo sistema produtivo exigia cultivares de soja que fossem precoces e crescessem a contento quando semeadas cedo (final setembro/início outubro).
Não havia muitas opções de variedades com essas características na época, o que forçou os programas de melhoramento genético a concentrar esforços na busca desse tipo de soja, hoje predominante na maioria das regiões produtoras do Brasil. Paralelamente, novos híbridos de milho foram desenvolvidos para a semeadura na safrinha, fortalecendo a sucessão soja/milho safrinha.
Quem não simpatizasse com a novidade foi arrastado pela multidão, particularmente após o aparecimento da ferrugem asiática, cujo controle é favorecido pela soja precoce semeada no cedo. Animados com o êxito do milho safrinha, muitos produtores estão, agora, embarcando em nova aventura: soja safrinha na sequência da própria soja. Poderá ser um tiro no pé.
Embora o milho safrinha tenha provado ser uma experiência exitosa, o mesmo pode não acontecer com a soja. Há diferenças em se cultivar milho sobre soja e soja sobre soja. Milho e soja pertencem a famílias distintas e, via de regra não compartilham os mesmos problemas fitossanitários, os quais são, geralmente, agravados quando uma cultura sucede a ela própria.
Além das safrinhas de milho ou soja, cujo sucesso depende de plantios antecipados da 1ª safra com variedades precoces, seus benefícios podem estar, agora, sendo ameaçados pelo exagero de produtores que buscam antecipar ainda mais o plantio da 1ª safra com cultivares superprecoces, na tentativa de colher uma terceira safra (o trigo) na mesma área e ano agrícola.
Espichando a corda de possibilidades do novo sistema produtivo além da conta, os produtores podem correr o risco de colher a 1ª safra de soja do tamanho de uma safrinha, seguida de outra safrinha de soja ou de milho. A experiência e as observações práticas do produtor são úteis e não devem ser desconsideradas, mesmo quando elas se contrapõem às recomendações técnicas do pesquisador. Mas há limites.
É inegável que há pontos positivos e negativos em favor da soja safrinha. A súbita preferência da soja em detrimento do milho safrinha deve-se aos bons preços de mercado da oleaginosa. Acrescente-se em favor da soja safrinha, além dos altos preços de mercado, o menor custo de implantação da sua lavoura comparada a do milho. Também, joga a favor da soja safrinha o custo menor do seu frete (maiores densidade e valor do grão de soja), melhor aproveitamento do espaço nos silos e armazéns (o grão de soja ocupa menor espaço e pode ser misturado com o da 1ª safra), sem esquecer que as sementes produzidas na safrinha são de melhor qualidade, razão pela qual se acredita que boa parte da safrinha se destina à produção de sementes.
É inquestionável que o produtor rural busque o lucro acima de qualquer outro resultado. Se a soja safrinha está dando mais retornos financeiros do que o trigo ou o milho, ele optará pela soja, mesmo ciente de que essa sucessão de soja sobre soja poderá prejudicá-lo no longo prazo, considerando que seu cultivo contínuo na mesma área tende a incrementar os problemas fitossanitários e o potencial de resistência das pragas e doenças aos agroquímicos utilizados no seu controle (muito particularmente os fungicidas utilizados no controle da ferrugem asiática), além de contribuir com a poluição ambiental. A prática poderá ser insustentável.
E tem mais. Se o produtor optar pela não adoção da safrinha de soja para evitar os danos supracitados, poderá ser igualmente prejudicado se os vizinhos não fizerem o mesmo. A soja safrinha, eventualmente cultivada pelos vizinhos no entorno da sua propriedade, poderá incrementar seus problemas fitossanitários como se também a tivesse cultivado. Para evitar tal inconveniente, talvez fosse aconselhável que o poder público interviesse coibindo a safrinha, como fez com o Vazio Sanitário para controlar a ferrugem asiática.
A pesquisa, infelizmente, ainda não possui resultados convincentes que a credencie a não recomendar a soja safrinha, embora a prática pareça ser insustentável. E o agricultor, não tendo certeza da real ocorrência dos prejuízos propalados, fará o que lhe for mais conveniente.
A planta e os demais organismos associados ao sistema de produção são seres vivos, e com eles não existe o certo absoluto. 
Amélio Dall’Agnol é Engenheiro Agrônomo, em Londrina
 

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