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A Mosca do Pastel


Rutinaldo Miranda Batista Júnior
Comida de rua pode ser uma caixinha de surpresas. Das mais desagradáveis possíveis. Aconselho a não abocanhar tudo de uma vez. Muita calma nessa hora. Antes, conheça a comida de perto. Dê uma espiadinha por fora. Sem esquecer que o principal está por dentro. O recheio do pastel é um caso exemplar. Nem sempre vem apenas com o que promete. Existem alguns “ingredientes extras”, que a gente não costuma pedir. E já perdi a conta das moscas que encontrei nas biroscas da vida. Dá até pena. Sinto mesmo dó, um aperto no coração. A bichinha está lá, perto da ervilha, toda encolhidinha. Aquele infeliz pontinho preto no meio da carne. Imóvel. Morta, minha gente! Morta! Puxa, me comovo, pacas! Era um ser, uma vida. E onde foi parar? Justo no meu pastel. O que me faz cúmplice desse assassinato gastronômico. Sim, por que as moscas só morrem dentro do pastel, se tem alguém esfomeado pra fazer um rango tosco. E a pergunta que não quer calar é como ela morreu. Questionamentos que vêm da consciência atormentada. Se foi morte indolor, menos mal. Dá pra se conformar. Quem sabe a mosca estivesse deprimida. Vida de inseto é mesmo dureza. Predadores pra todo lado e asas pra que te quero. E aí veio aquela idéia louca, quando estava sobrevoando a panela de molho. Mergulhar ou não mergulhar no tomate, eis a questão. Desgostosa, não pensou duas vezes. Caiu de cabeça, dentro da panela. Uma morte em grande estilo. Mas ela pode ter sido uma vítima das circunstâncias.

Uma panela sem tampa. Algo insignificante para os humanos. Para uma mosca, contudo, uma terrível armadilha. Seguia voando distraída, quando de repente... catbum! Atordoada pelo vapor, caiu para a morte numa piscina fumegante e vermelha! Triste, muito triste. Depois, sabe como é. Do molho pro recheio. Do recheio pro pastel. Do pastel pra estufa de vidro. Quatro dias, esperando um freguês. O pastel já meio esverdeado, pegando um sabor a mais. Enfim, aparece um candidato a ter diarréia. Gulosamente compra o produto. Só que desta vez, não engole em duas grandes bocadas. Algo muito estranho acontece. Parecido com o sexto sentido do homem-aranha. Uma voz interior (talvez a do seu intestino) aconselha. “Dá uma olhada na gororoba, antes”. E ele olha. E ele se enoja de ver a mosca. E diz poucas e boas pro balconista. Que se faz de desentendido. Afinal, não é ele que faz todo aquele lixo. Vai mesmo é ficar na sua. Pois sabe guardar segredos indizíveis. Todo aquele escândalo só por uma mosca no pastel. Ah, se soubessem o que tem na coxinha!

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