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Brasil, o país do agronegócio


Amélio Dall’Agnol

O setor agrícola brasileiro passa por um momento de euforia, após três anos de carestia. Houve alta generalizada no preço dos produtos agrícolas em resposta ao incremento da demanda mundial, que cresceu em razão do bom desempenho da economia em quase todos os países do mundo, assim como, por causa dos biocombustíveis, a nova alavanca de consumo desses produtos. Tudo indica que esta alta veio para ficar, se não nos níveis atuais, tampouco retornará aos níveis anteriores.

O PIB do setor agro-industrial brasileiro cresce significativamente há décadas – mais em produtividade do que em área - e hoje responde por cerca de 34% do PIB nacional, pela geração de 37% dos empregos e por 41% das exportações totais do país.  O saldo da balança comercial do agronegócio ultrapassa os 50 bilhões de dólares anuais e caminha para saldos ainda maiores, pois o Brasil já figura como o maior exportador de oito produtos agrícolas (açúcar, café, suco de laranja, álcool, carne bovina, soja, tabaco e carne de frango) - embora seja o primeiro produtor apenas dos três primeiros - e conta com a disponibilidade de imensas reservas de terras aptas para incrementar ainda mais a produção e, assim, atender a crescente demanda por mais alimentos e por biocombustíveis: “Além de seus atuais 62 milhões de hectares de lavouras, o Brasil possui cerca de 170 milhões de hectares de terras virgens, disponíveis e aptas para a produção agrícola – o que corresponde a, aproximadamente, toda a atual área cultivada dos EUA”  (Financial Times, em 23/06/2005). 

A safra brasileira de grãos de 2007 ultrapassou as 134 milhões de toneladas e é recorde histórico. Cresceu mais nos últimos 17 anos, do que nos quase 500 anos anteriores, de vez que o Brasil produziu somente 58 milhões de toneladas de grãos, em 1990. Essa explosão de crescimento do agronegócio nacional chamou a atenção do mundo, ensejando manifestações da grande imprensa internacional, como a indicada anteriormente e esta do Financial Times (23/06/2005), o maior jornal econômico europeu: “o Brasil está para a agricultura assim como a China está para os manufaturados; é uma potência agrícola a cujo tamanho e eficiência poucos competidores são capazes de igualar”.  A este reconhecimento do jornal inglês, a FAO acrescentou que prevê o domínio agrícola do Brasil em 10 anos e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) salienta que a produção agrícola brasileira crescerá, mesmo com os subsídios dos países ricos.

Mas o bom desempenho do agronegócio nacional poderia ser ainda melhor, não fosse a exagerada valorização do câmbio (mais de 100%, desde 2002) e o abusado protecionismo e desleais subsídios praticados pelos países ricos, que, além de promoverem o auto-abastecimento e restringirem as exportações de países em desenvolvimento, como o Brasil, deprimem os preços internacionais colocando sobras subsidiadas no que resta do mercado global.

Mas uma coisa é certa: não há mal que sempre dure e nem bem que nunca acabe. Tudo indica que a lógica do mercado prevalecerá e mecanismos que destorcem o livre mercado, como os citados anteriormente, tenderão a diminuir, até desaparecer, por pressão dos cidadãos dos próprios países que os utilizam. Estas políticas deveriam ser de curto prazo e, quando praticadas por longo tempo, tornam os contribuintes de impostos inconformados por pagarem a conta dos subsídios, que confere competitividade a quem não tem. A pressão exercida por instituições como a Organização Mundial do Comércio - cuja Rodada Doha de negociações está dando um bom exemplo - também deverá surtir efeitos positivos nesse sentido.

A lógica do mercado é deixar que vençam os mais capazes de oferecer o melhor pelo menor custo, condição que se adquire via uso intensivo de modernas técnicas de produção geradas por instituições de ciência e tecnologia, com o aporte de pesados investimentos em pesquisa. O Brasil pode orgulhar-se de ter desenvolvido a mais avançada tecnologia agropecuária para produção em regiões tropicais, resultado de significativos investimentos realizados em décadas passadas na formação de cientistas de alto nível e na construção de modernos e bem equipados centros de pesquisa onde esses cientistas puderam exercer plenamente as suas capacidades.

A criação e investimentos feitos na Embrapa é um bom exemplo desse esforço brasileiro, o que foi recentemente (02/10/2007) reconhecido pelo jornal The New York Times: “o trabalho da Embrapa ajudou a transformar o Brasil no que o ex-secretário de Estado americano Colin Powell classificou como “superpotência agrícola”, destinado a ultrapassar os Estados Unidos como líder na exportação mundial de alimentos”. Esta reportagem reforça manifestação anterior do mesmo jornal, quando, em 2001, informou que “sojicultores brasileiros ofuscam agricultores americanos”, citando a Embrapa Soja, de Londrina, PR, como “líder mundial em pesquisa sobre soja tropical”. 

O produtor rural que não souber incorporar tecnologia ao processo produtivo da sua lavoura, compensando com aumentos de produtividade eventuais quedas na margem do lucro, muito provavelmente engrossará o contingente de ex-produtores rurais que já habitam as periferias de nossas cidades, criando, para a sociedade urbana, um sério problema social, pois esses novos moradores constituem-se em mão de obra desqualificada para as atividades urbanas, resultando em cidadãos marginalizados, cuja condição pode levá-los ao desespero e à violência, pois “pessoa faminta torna-se pessoa raivosa” (hungry people become angry people), dizia Norman Borlaug, Prêmio Nobel da Paz dos anos 60, para quem, nessa situação, o individuo prefere comprar armas a alimento, quando consegue algum dinheiro.

O êxito financeiro de uma empresa agrícola depende da sua capacidade de competir. No passado, essa capacidade dependia, fundamentalmente, da quantidade e da qualidade dos recursos naturais que possuía. Hoje não é mais assim. Deverá ter mais êxito uma empresa agrícola que possui terras agrícolas marginais, mas utiliza modernas técnicas de produção, do que outra, detentora de terras férteis, mas exploradas com baixo nível tecnológico. Em outros termos, o produtor rural moderno será mais competitivo utilizando intensivamente insumos intelectuais, do que valer-se de abundantes insumos materiais. Para ilustrar, há o exemplo de Israel, que cultivando desertos, compete vantajosamente no mercado internacional de produtos agrícolas com países bem mais aquinhoados de recursos naturais, como, por exemplo, o Brasil.

Os incontestáveis avanços alcançados pelo Brasil na produção agrícola, como resultado de significativos aportes de recursos em ciência e tecnologia agropecuária de décadas passadas, não serão suficientes para garantir êxitos futuros permanentes. Esses avanços serão rapidamente superados por outros competidores que adotem novas tecnologias de maior impacto, principalmente as biotecnologias. Para não perder espaços no mercado globalizado, por parte de quem persistir na busca de novos e mais avançados conhecimentos, o Brasil precisará, não apenas manter, mas ampliar os atuais investimentos em pesquisa agrícola, principalmente através de investimentos privados, como ocorre em países do primeiro mundo.

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