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Biotecnologia e fome - um cenário


Decio Luiz Gazzoni

A oferta e a demanda mundiais de alimentos mantêm-se em equilibro instável, sob o efeito dos estoques que atenuam impactos conjunturais e evitam oscilações abruptas e freqüentes de preços. Esse equilíbrio vincula-se às leis do mercado, as quais não reconhecem as mazelas sociais, sendo insensíveis à miséria e à fome. Um corolário da lei da oferta e da procura. pode ser sintetizado na frase “Fome não é mercado!”. Não basta haver demanda, impõe-se que haja recursos para adquirir alimentos, caso contrário a fome passa a ser sofisticadamente catalogada como “demanda reprimida ou potencial”.

Desmentir o profeta

Há 200 anos que nós, agrônomos, pugnamos para contestar a Lei de Malthus A lógica do mercado indica que o mundo está produzindo alimentos para atender à demanda de quem possui recursos para adquiri-los. Porém, sob a óptica da dignidade humana, tornou-se mais ancho o fosso entre a oferta e a demanda efetiva de alimentos. A maior parcela dos alimentos é consumida no país onde é produzida, pois apenas um quarto da produção é transacionada internacionalmente. Nas regiões endemicamente famélicas, como a África sub-Sahara ou o sudeste asiático, as condições para produção são adversas, a demanda por alimentos é elevada e crescente, porém a renda é baixa e decrescente.

Globalização e fome

Como a globalização potencializa a insensibilidade do mercado às questões sociais, impõe-se a questão: a inovação tecnológica contribui para incluir os excluídos? Essa consideração humanitária auxilia a tornar menos embaçado o cenário futuro do agronegócio, imiscuindo em uma única reflexão a inexorabilidade das leis de mercado e o advento da biotecnologia, sob a moldura da fome endêmica. A discussão sobre OGMs embute uma grande dúvida e diversas inquietudes caudatárias. A grande dúvida é: os consumidores europeus e japoneses, supostamente refratários a OGMs, persistirão nessa posição, no médio prazo? Essa reticência será suficiente para barrar o crescimento aparentemente inexorável, que vem sendo observado na área cultivada com OGMs no mundo?

Inovação e resistência

Toda a inovação altera paradigmas e introduz incertezas, embaçando a antecipação de rumos. Entretanto é possível elaborar cenários, considerando as invariantes e aventando algumas hipóteses plausíveis. Uma das invariantes é o esgotamento das áreas agricultáveis, sob o paradigma tecnológico atual. A segunda assinala que essas áreas se concentram em algumas regiões do Planeta, claramente demarcadas. A terceira invariante é a exigência dos consumidores por elevada qualidade dos alimentos. Já uma hipótese provável é a inflexão da curva populacional a partir de 2050, quando sua taxa de crescimento flutuará em torno de zero.

Prognósticos

Os analistas apontam que o avanço da Ciência e o reaparelhamento dos órgãos de controle sanitário alterarão a percepção dos OGMs pela sociedade. Os riscos hipotéticos, aventados em relação a esses produtos, não se estão concretizando, sobrevindo um efeito capitis diminutio na opinião pública. Agregue-se o realinhamento focal da inovação tecnológica, que se transmuta do produtor para as demandas do consumidor. Os OGMs do futuro estarão voltados a aspectos nutricionais, organolépticos, de qualidade e de melhoria da saúde da população. Algumas questões-chave, como a resistência a estresses bióticos (pragas) ou abióticos (seca, alagamento, salinidade, baixa fertilidade ou acidez do solo) continuarão prioridades de desenvolvimento tecnológico. Os principais fatores que impulsionarão a incorporação desses atributos serão a estabilidade da produção, o crescimento da demanda e a necessidade de incorporação de áreas marginais, inacessíveis pela tecnologia atual.

Cenário

O cenário mais provável dos estrategistas setoriais considera que os OGMs deverão inserir-se, paulatinamente, no mercado exigente e sofisticado dos países ricos. O nicho inicial se consolidará uma vez solvidas as questões de biossegurança e proteção ambiental. Nos países pobres, onde a fome é alcunhada de demanda represada, a sofisticação alimentar é uma exigência marginal: o foco será produzir alimentos seguros, a baixo custo e com estabilidade, e garantindo a segurança alimentar. De acordo com esse cenário, as populações desses países, seguramente, terão resistência quase nula ao consumo de OGMs, por comportamento imitativo das mudanças nos países centrais.

O autor é Engenheiro Agrônomo, pesquisador da Embrapa Soja. Homepage: www.gazzoni.pop.com.br

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