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Alimentos e Alergia


Decio Luiz Gazzoni

Estima-se que 10% da população humana seja hipersensível a determinadas substâncias presentes em alimentos. Trata-se da alergia, que resulta em lacrimejamento, ardor nas faces, coceira intensa, formação de gases estomacais ou intestinais, diarréia e até edema da glote, provocando sufocamento. A espécie humana e outros herbívoros conviveram, até hoje, com o desconforto causado por alimentos contendo alergênicos. Alvíssaras, pois, dos laboratórios dos cientistas brotam soluções para as alergias alimentares.

Evitar o consumo

Ovos, leite, amendoim, trigo, peixes, frutos do mar, nozes e soja são os alimentos com maior registro de casos de alergia. A recomendação médica básica é evitar o consumo desses alimentos. Entretanto, com o aumento progressivo dos alimentos processados, por vezes uma substância alergênica está presente de forma insuspeita. O exemplo da soja é didático. Derivados de soja entram na composição de inúmeros alimentos, de fórmulas infantis a hambúrgueres, de embutidos a chocolates, aumentando a probabilidade de contato com a substância alergênica. Os cientistas descobriram que a principal substância que provoca alergia em seres humanos é uma proteína denominada P34, naturalmente presente na soja.

Eliminando o alergênico

Cientistas da Universidade de Arkansas eliminaram a P34 da soja, suprimindo o gene responsável pela síntese da proteína ou impedindo que ele exerça a sua função. Uma das técnicas utilizadas é a introdução de uma cópia adicional do gene responsável pela P34, no genoma da soja. Ao reconhecer a seqüência genética a planta reage à intromissão e elimina tanto a cópia quanto o gene original. Assim, a P34 não é mais sintetizada, sendo substituída por uma similar, não alergênica, na estrutura do grão. Os testes com porcos hipersensíveis demonstraram a hipoalergenicidade do novo tipo de soja. A ironia desse estudo está no fato de que a grande crítica ao desenvolvimento de plantas transgênicas aponta para o seu eventual potencial alergênico. No caso, a biotecnologia foi usada para eliminar uma substância alergênica natural da soja!

Leite

Parcela significativa da população humana é intolerante ao leite de vaca, especialmente pela deficiência de uma enzima responsável pelo metabolismo da lactose no organismo. Se a pessoa for alérgica, os sintomas (diarréia, erupções cutâneas e bronquite) se manifestam desde a tenra idade. A recomendação médica, nesse caso, é a substituição do leite de vaca por preparados de soja. Nos EUA, cerca de 25-30% das crianças são alimentados com fórmulas infantis contendo soja. Um consumo tão elevado de soja, em uma quadra particularmente sensível do desenvolvimento humano, tem suscitado o incremento das pesquisas para garantir a qualidade da alimentação infantil.

Alterações metabólicas

Os cientistas nunca fazem qualquer concessão quanto à biossegurança. Com o aumento do consumo humano de soja (não apenas entre pessoas alérgicas ao leite), uma preocupação dos cientistas é com a alergia à P34. Outra preocupação é um eventual efeito das isoflavonas, que poderiam antecipar a puberdade. Também está sendo estudada uma possível ativação dos mecanismos de detoxificação orgânica, ou seja, aqueles processos naturais de defesa do organismo contra drogas exógenas, as quais são assumidas como invasoras e, portanto, metabolizadas. Se, de uma parte esse é um efeito benéfico - pois elimina substâncias tóxicas e alérgicas - por outro pode, eventualmente, reduzir o tempo de proteção de medicamentos administrados à criança.

Amendoim

Os americanos devoram amendoim em grande quantidade. Porém, para 0,5% da população, o amendoim deflagra reações alérgicas, motivando cientistas do USDA a selecionarem cultivares não alergênicos. Cerca de 300 linhagens de amendoim estão sendo analisadas em laboratório, por meio do teste de anticorpos específicos para as três proteínas do amendoim, sabidamente alergênicas. Já foi identificada uma linhagem com a ausência das três proteínas alergênicas, a qual está sendo cruzada com cultivares comerciais, para obter um material que possa ser produzido pelos agricultores e ser consumido sem os problemas alérgicos das cultivares atuais. O sucesso destas pesquisas demonstra que, em breve, a alergia alimentar será um problema do passado.

O autor é Engenheiro Agrônomo, pesquisador da Embrapa Soja. Homepage: www.gazzoni.pop.com.br

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