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Agronegócio 4.0



Decio Luiz Gazzoni

            O título da coluna remete à resposta evolutiva da Ciência ao desafio de alimentar cada vez mais cidadãos em um mundo em constante mutação. Representa as grandes tendências do futuro do agronegócio, como agricultura de precisão, uso de drones, máquinas autônomas, sensoriamento, com apoio da Internet das Coisas (IoT) e o uso de Big Data, além de novas ferramentas de gestão e conexão com o mercado. O objetivo central é obter o máximo de eficiência e sustentabilidade nas cadeias produtivas, para atender a demanda da sociedade por alimentos suficientes, sustentáveis e de qualidade

            Como pano de fundo, é importante lembrar que, na estimativa da FAO, quase um bilhão de habitantes do planeta Terra não têm suas necessidades nutricionais atendidas. A população atual, de 8 bilhões de habitantes, atingirá 10 bilhões em 2050. A renda per capita será cerca de 30% maior, e os hábitos alimentares mudarão muito no período. Isso levou à estimativa de aumento de 70% na produção agrícola mundial, entre 2020 e 2050 (bitly.ws/yn4L). Em contraste, as áreas mais propícias à agricultura estão esgotadas, as mudanças climáticas tornarão o ambiente produtivo mais inóspito, e apenas 30% da população do mundo estará no campo, um indicador de escassez de mão-de-obra.

 

Era digital

            O conceito de agronegócio 4.0 é uma quebra de paradigma, uma profunda transformação no campo, que inclui a digitalização de processos. Mas essa onda não se esgota na mecanização, outras operações e decisões serão modulados por sistemas automatizados. Entre esses sistemas estão a Internet das Coisas, o Big Data, a Inteligiência Artificial, o Deep Machine Learnig, a Advanced Analytis, sistemas nas nuvens e integração entre os sistemas. Ademais de operações, a supervisão e o monitoramento serão efetuados com o

            Falando especificamente de máquinas, estas se tornarão cada vez mais automatizadas e autônomas, com controle à distância e uso de energias renováveis. As máquinas serão progressivamente mais flexíveis, adaptáveis, autônomas e inteligentes, com registros e acessos em tempo real, respostas imediatas, feedback, ao tempo em que alimentarão continuamente os bancos de dados. O mesmo pode ser dito dos implementos, do preparo do solo à colheita, passado por operações de manejo e fitossanidade.

            As novas tecnologias não revolucionam apenas os processos agrícolas, mas a gestão do negócio. Cada vez mais teremos sistemas de informação de apoio à tomada de decisão. As duas faces, integradas, aumentarão a efetividade dos processos, plasmando um agronegócio que pouco lembrará o do final do século XX.

 

Processo de modernização

            O que referimos acima não acontecerá de um dia para outro, será uma construção ano após ano. Registre-se que os produtores brasileiros têm um patrimônio formidável, superior a 1,2 milhão de máquinas agrícolas, e há um ciclo de vida a ser cumprido até o pay back e a efetiva obsolescência. Entrementes, quase 50% desse parque já supera uma década de trabalho, e serão as primeiras máquinas a serem substituídas no campo. Isso implica um investimento formidável, que depende de crédito adequado para a modernização da frota. A política pública será fundamental para acelerar a transformação tecnológica no campo.

            Acresça-se que estimados 65% das 5 milhões de propriedades rurais não têm acesso à internet, o que inviabiliza a adoção integral das inovações do agronegócio 4.0. Assim, serão decisivas as políticas públicas nas áreas de infraestrutura e comunicação, em especial a conectividade no campo. Além da implantação imediata das tecnologias 5G e posteriores, são fundamentais os acessos aos sistemas LPWAN (LoRa , SigFox, Ingenu, NB-IoT, LTE-M), presença de satélites dedicados e, ampliadores de sinal, além de bandas exclusivas. O agricultor até pode armazenar os dados nas máquinas para posterior descarga. Entretanto, ao assim proceder, grande parte dos benefícios das operações online, real time, serão perdidos.

 

Educação e Ciência

            Resolvido o problema tecnológico e das políticas públicas, vamos a outro grande desafio. O colaborador rural no agronegócio 4.0 não será o mesmo da enxada e do facão. Muito antes pelo contrário, será uma pessoa com educação aprimorada, instrução contínua, capacidade de aprendizagem e de absorção de conhecimentos, disposto a sempre progredir e inovar. Necessitará de inglês fluente, conhecimento de informática e automação, e visão muito clara dos processos. Também serão requeridas novas habilidades gerenciais não apenas para operar os sistemas do futuro, mas para extrair deles o máximo em termos de planejamento estratégico, planilhas de trabalho diário, conexão com o mercado, entre outros.

            Há um espaço enorme para as instituições de pesquisa, no desenvolvimento e integração de softwares e sistemas, pesquisas com big data, avanços na agricultura de precisão. A mudança do paradigma tecnológico revoluciona o campo, fortemente afetando a demanda às instituições de educação, ciência e tecnologia. Isto aponta para mais uma política pública: o fortalecimento das instituições de C&T do Brasil, que garantirão a soberania no setor, a modernização no campo, o aumento da eficiência e o protagonismo do Brasil no mercado mundial.

 

O autor é engenheiro agrônomo, pesquisador da Embrapa Soja, membro do Conselho Científico Agro Sustentável e da Academia Brasileira de Ciência Agronômica.

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