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Agricultura de deserto


Decio Luiz Gazzoni
A Ciência tem o condão de quebrar “dogmas” estabelecidos. Há três anos, coordenando uma reunião do CNPq Brasil/Finlândia, pressenti uma ameaça nos estudos com fotossíntese artificial, que permitem produzir alimentos em países nórdicos, com temperaturas 30°C abaixo de zero, e sem sol! Agora a empresa Sundrop quebra outro paradigma: dispensa o solo e a água doce. Ela está estabelecida no Catar e na Austrália, onde solos férteis e água para a agricultura são insumos raros, quando existentes.

Pela proposta da Sundrop substituem-se água doce, campos agrícolas e combustíveis fósseis, por água salgada, terreno não agrícola e sol. Será que vamos produzir alimentos em areia estéril, com água salgada?
Bem, quase isso, mas não propriamente assim! As plantas são cultivadas em estufas hidropônicas, assentadas em terras não agricultáveis. Até aí, nenhuma novidade, hidroponia é tecnologia conhecida. A inovação está em gerar eletricidade aproveitando a radiação solar. Isto somente se tornou possível com inovações tecnológicas e ganhos de escala desta década, que viabilizaram a geração fotovoltaica. Assim, dessaliniza-se água do mar ou do subsolo, para obter a água doce para irrigação das plantas. Os nutrientes são adicionados à água de irrigação.
A primeira Fazenda Sundrop foi instalada em Port Augusta, Austrália, há cinco anos. São 20 ha de estufas, que produzem mais de 15 mil toneladas de vegetais por ano, faturando US$ 50 milhões. Paga o investimento e remunera o empreendimento.
A aposta não é apenas em países que hoje são cobertos por desertos. Os investimentos da Sundrop e parceiros baseiam-se nas mudanças climáticas globais, na crescente escassez de água, na escassez e degradação das terras aráveis e na crescente demanda do mercado consumidor por alimentos com a marca da sustentabilidade.

Da ameaça para a oportunidade: a nova tecnologia pode diminuir o espaço para a agricultura tradicional. Mas, o litoral e o semiárido brasileiro, com grande oferta de luz solar, de água do mar e de água salgada no subsolo, associadas à proximidade dos mercados consumidores interno e externo, não são candidatos óbvios para participar dessa nova revolução verde?
 
O autor é Engenheiro Agrônomo, pesquisador da Embrapa Soja.

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