Além das emissões: o papel da agricultura na descarbonização global
Boas práticas agrícolas podem transformar o produtor rural em um agente ativo

A agricultura é frequentemente apontada como uma das principais fontes de emissão de gases de efeito estufa. No entanto, o setor também desempenha um papel essencial na captura e remoção desses gases, especialmente por meio do manejo do solo e do uso de biocombustíveis. Em entrevista ao Agrolink, o engenheiro agrônomo João Pedro Dias destacou como boas práticas agrícolas podem transformar o produtor rural em um agente ativo na descarbonização.
Agricultura regenerativa e sequestro de carbono
Segundo Dias, a agricultura brasileira é um modelo global de sustentabilidade. "Hoje, os produtores não usam mais grade e arado como antes. A adoção do plantio direto permite que, logo após a colheita de uma cultura, como a soja, outra seja plantada, como o milho", explica. Ele ressalta que muitos agricultores combinam milho com espécies forrageiras, como braquiárias, para manter o solo coberto, aumentando a fixação de carbono.
"As plantas capturam carbono da atmosfera por meio da fotossíntese e o armazenam na matéria orgânica do solo. Se aplicarmos boas práticas, como aumentar a matéria orgânica na superfície e fortalecer o sistema radicular, potencializamos esse processo", explica o agrônomo. Segundo ele, cada 1% de aumento na matéria orgânica do solo pode fixar 10 toneladas de carbono por hectare e reduzir 26 toneladas de CO2 da atmosfera.
Pecuária e emissão de metano
A pecuária também é frequentemente criticada por suas emissões de metano, mas João Pedro Dias destaca que avanços técnicos podem reduzir esse impacto. "No Brasil, já temos sistemas de produção de carne de carbono neutro, onde medimos as emissões de metano dos animais e o carbono fixado no solo", afirma. Além disso, ele ressalta o papel dos besouros rola-bosta na incorporação de esterco ao solo, acelerando a fixação de carbono e melhorando a fertilidade.
Falta de investimentos na agricultura sustentável
Apesar dos benefícios ambientais, Dias alerta para a escassez de investimentos no setor. "Apenas 4% dos recursos globais destinados às mudanças climáticas vão para a agricultura. Isso é um erro, pois o setor tem um dos maiores potenciais de sequestro de carbono", argumenta. Ele compara o custo do armazenamento industrial de carbono, cerca de 200 dólares por tonelada, com a agricultura, onde o processo ocorre naturalmente.
Biocombustíveis como solução sustentável
Outro ponto abordado por Dias é a contribuição da agricultura na produção de biocombustíveis. "Hoje, podemos produzir diesel verde a partir de óleos vegetais e gorduras animais, querosene verde para a aviação e etanol de cana-de-açúcar ou milho", detalha. Ele destaca que práticas como o cultivo consorciado de milho e braquiárias podem elevar a matéria orgânica do solo, favorecendo a microbiota e garantindo sustentabilidade a longo prazo.
Importância da pesquisa e medição das emissões
Para que a agricultura brasileira tenha reconhecimento global como solução climática, Dias enfatiza a necessidade de pesquisas específicas. "As tabelas usadas na Europa e nos EUA não refletem a realidade tropical brasileira. Nosso solo tem vida ativa o ano todo e precisa de protocolos específicos", explica. Ele destaca que é essencial medir corretamente as emissões de metano dos bovinos e o carbono fixado no solo para demonstrar o real potencial da agricultura nacional na mitigação das mudanças climáticas.