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Força da solidariedade que salvou vidas nas enchentes vira livro

“Drenar – A força voluntária que enfrentou as enchentes no Sul”



Foto: Paulo Rossi/Divulgação

O Rio Grande do Sul viveu, em 2024, um episódio que nunca sairá de nossas memórias: as enchentes que causaram danos em 95% do Estado, afetando 2,3 milhões de pessoas, deixando 626 mil desabrigados, além de 183 mortos e 27 desaparecidos. Esses números, além dos prejuízos causados pelo desastre poderiam ser ainda mais superlativos, não fosse a boa vontade e a capacidade de mobilização de um grupo de cinco arrozeiros de Pelotas.

Juntos, eles impediram que o rompimento de um dique levasse o caos para esta cidade histórica da Metade Sul. Como se não bastasse, usaram sua expertise em drenagem de lavouras para escoar a água que mantinha submersos o Aeroporto Internacional Salgado Filho, em Porto Alegre, e regiões de Novo Hamburgo e São Leopoldo, no Vale do Sinos. A façanha é contada no livro “Drenar – A força voluntária que enfrentou as enchentes no Sul”, de Valquíria Vita, que teve lançamento nesta quarta-feira, 19 de fevereiro, na 35ª Abertura Oficial da Colheita de Arroz e Grãos em Terras Baixas - que está sendo realizada em Capão do Leão (RS). O evento foi antecedido de um painel com a participação dos integrantes originais da iniciativa, que foi batizada de Drenar RS: Guilherme Gabret da Silva, Henrique Levien, Fabrício do Amaral Iribarrem, Lauro Soares Ribeiro e Antoniony Winkler.

No palco do Auditório Frederico Costa, eles se revezaram para contar como se organizaram para reunir os equipamentos necessários para vencer a água e salvar vidas, em tempo recorde. “Foi um momento desafiador em que todos eram líderes e todos eram liderados. Não tínhamos muitas regras, não tínhamos projetos, não tínhamos planejamento, mas tínhamos vontade de fazer alguma coisa”, comentou Antoniony Winkler.

As chuvas torrenciais de maio provocaram enchentes nas principais bacias hidrográficas do Estado. O volume foi tão gigantesco que fez o nível do estuário Guaíba chegar a 5,37 metros, superando a marca da cheia histórica de 1941. O resultado foi o colapso de diques e casas de bombas, o que deixou muitos bairros da capital gaúcha debaixo d’água.

Os arrozeiros sabiam que o destino dessa enxurrada seria a Lagoa dos Patos, levando o risco de inundação a Pelotas. Para evitar que a calamidade se repetisse, eles montaram um plano de escoamento no ponto que parecia mais vulnerável ao desastre, no leste da cidade. A ideia era usar equipamentos das lavouras para transferir volumes da lagoa para outros canais capazes de suportá-la.

O plano foi apresentado - e aceito - pela então prefeita, Paula Mascarenhas, enquanto eles já buscavam mobilizar, com o apoio da Federarroz, produtores rurais dispostos a emprestar equipamentos para a montagem de uma casa de bombas emergenciais em tempo recorde. “No terceiro dia, havia 25 bombas montadas na cidade. Recebemos caminhões, geradores, bombas”, lembra o empresário rural Lauro Soares Ribeiro. “As pessoas tinham dificuldade em suas lavouras, mas raramente alguém dizia que não podia ajudar. Um tinha máquina, outro tinha um caminhão, um gerador.”, complementou.

Para que as estações de bombeamento funcionassem, uma subestação elétrica emergencial de quase mil quilowatts foi construída em dois dias. Foram R$ 10 milhões em equipamentos cedidos sem custo e colocados em pé pelos arrozeiros e o corpo de voluntários que se avolumava a cada dia. E, assim, a tragédia foi evitada.

Na avaliação do grupo, o sucesso do desafio em Pelotas contou com alguns fatores favoráveis, como o fato de a cidade ainda não ter sido inundada e contar com energia elétrica - isso sem falar da rede de contatos das esferas pública e privada com que os arrozeiros contavam para a empreitada solidária. Porém, quando o grupo decidiu usar o mesmo expediente para drenar outras cidades, nenhum desses elementos estava presente. Eles ainda tiveram de vencer descrença e resistências de burocratas para colocar em prática um plano sui generis - em parte, baseado no improviso.

O primeiro passo era mapear pontos passíveis de drenagem na capital - boa parte na zona norte da cidade, a primeira a ser atingida pelas águas. O segundo passo era mobilizar quem doasse equipamentos necessários para bombear água para fora de casas de bombas, bairros e do próprio aeroporto. E havia uma dificuldade extra: como a região estava sem energia elétrica, as bombas precisariam ser acionadas pelo motor de tratores. Muitos tratores. “Em Porto Alegre, a gente conhecia poucas pessoas, então recorremos à Federarroz para mobilizar os arrozeiros. Depois, o Instituto John Deere, sabendo da mobilização, ofereceu cinco tratores. Dissemos não, não, precisamos de 20”, relatou Guilherme Gadret da SIlva.

O ato de coragem surtiu efeito. Em oito dias, o Aeroporto Salgado Filho estava enxuto. Com isso, o grupo abriu novos flancos usando a rede solidária para levar a drenagem a outras cidades. Um dique colapsado entre São Leopoldo e Novo Hamburgo, foi o próximo alvo. Cidades como Guaíba e Canoas também receberam apoio. “A gente fez acontecer sem fazer uma reunião. Imagine se tivéssemos tempo, prazo e projeto”, valorizou Guilherme.

A 35ª Abertura Oficial da Colheita do Arroz e Grãos em Terras Baixas é uma realização da Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul  (Federarroz) e correalização da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), além do Patrocínio Premium do Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga) e apoio da Prefeitura Municipal de Capão do Leão. O evento tem como tema “Produção de Alimentos no Pampa Gaúcho - Uma Visão de Futuro”. Mais informações pelo site colheitadoarroz.com.br.
 

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