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SUSTENTABILIDADE DA PECUÁRIA NA AMAZÔNIA: A CARTA DE PORTO VELHO - RONDÔNIA - BRASIL


O Primeiro Seminário Internacional sobre o Desenvolvimento Sustentável da Pecuária na Amazônia: Produtividade com Qualidade Ambiental, realizado em Porto Velho, Rondônia, Brasil, no período de 15 a 18 de julho de 2003 e organizado pela Embrapa, IICA/PROCITRÓPICOS e Governo do Estado de Rondônia, contou com a participação de representantes dos setores públicos e privados do Brasil, além de técnico e produtores da Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela teve como objetivo examinar a situação atual e prospectiva do desenvolvimento da pecuária na Amazônia, particularmente em relação ao aumento da produtividade e economicidade com sustentabilidade.

CONSIDERANDO QUE:

1.A pecuária brasileira, particularmente na Amazônia Legal, cresceu muito nos últimos 40 anos, o que coloca o Brasil, com um rebanho bovino de 183 milhões de cabeças, explorados em 198 milhões de hectares de pastagens em 2002, como um dos principais países produtores e exportadores de carne do mundo, o que determina grandes desafios e oportunidades socioeconômicas e ambientais. O Brasil exportou, em 2002, cerca de 580.000 toneladas de carne bovina, com valor de aproximadamente US$ 994 milhões. As cadeias produtivas da pecuária de corte e de leite envolvem 2 milhões de propriedades, 7 milhões de trabalhadores e significando um agronegócio de matéria prima de US$ 30 bilhões/ano. O consumo de carne per capita no Brasil é de 38-40 kg/ano, o que representa uma alta elasticidade de renda. Se houver um aumento no PIB de 2% a.a o consumo aumentará em 1 kg/hab. Se o aumento for de 6% a.a. o consumo de carne per capita chegará a 50 kg/hab, projetados para 2020. Se o Brasil atingir o consumo per capita da Argentina (70 Kg/ano) a pecuária teria o desafio de aumentar a oferta de carne em 80%.

2.O rebanho bovino da Amazônica Legal tem crescido com taxas elevadas de até 22% nos últimos 10 anos, atingindo mais de 50 milhões de cabeças, transformando-se em fator principal de desenvolvimento econômico e social. A área desmatada na Amazônia Legal chegou a 63,14 milhões de hectares em 2002, ou 12,4% da área total, tendo sua área de pastagens atingido cerca de 52 milhões de hectares, em 2002, de floresta densa que foram derrubadas. Entretanto, grande parte desse desenvolvimento tem acontecido em função do desmatamento das florestas densas, o que tem causado grandes impactos ambientais. No período de 2001/2002 o desmatamento na Amazônia Legal foi da ordem de 25.500 km2, podendo ter como causas principais as alterações climáticas favoráveis, o avanço da agricultura para a produção de grãos em áreas tradicionais de pecuária, causando o deslocamento desta atividade para novas áreas recém-desmatadas, o ano eleitoral, a disponibilidade de crédito bancário, a deficiência de fiscalização e a incompatibilidade de políticas públicas, federal e estaduais.

3.A pecuária de carne e de leite da Amazônia Legal apresenta baixos índices de produtividade, expressos em baixos investimentos em tecnologias, equipamentos e insumos, o que reflete nos índices de lotação de 0,5 a 0,7 UA/hectares e baixas produtividades de leite por animal, em torno de 3 litros/dia/animal. Também se estima que aproximadamente 60% das pastagens exibem algum tipo de degradação. Principalmente na pecuária de corte, observa-se que, apesar do baixo uso de tecnologia na maioria das propriedades, encontra-se algumas com alto nível tecnológico.

4.Os custos de produção da carne na Amazônia Legal são extremamente baixos, o que permite sua competitividade nos mercados mundiais e oferece oportunidade de grande expansão se for implementada a rastreabilidade e a certificação de qualidade da carne. A receita líquida da pecuária na Amazônia tem sido calculada em R$ 132-138 /ha/ano (US$ 49-51/ha/ano), o dobro da receita obtida em São Paulo, sob condições similares.

5.A produção de leite apresenta-se extremamente favorável, com taxas de crescimento de 6%a.a. e baixos custos operacionais totais de produção em 9 centavos de real/litro, no caso de produtores com menos de 50 litros e que utilizam mão-de-obra familiar. A produção de leite aparece como a terceira mais importante no País, atrás apenas da avicultura de corte e da soja. Entretanto, a produção é realizada sob condições de baixos níveis de tecnologia na Amazônia Legal é caracterizada por pequenos investimentos em equipamentos. No caso dos pequenos produtores os problemas são agravados devido aos baixos volumes de produção. Apesar disso, a atividade leiteira é competitiva, alicerçada na produção a pasto, mão-de-obra familiar e facilidades de comercialização do bezerro para a pecuária de corte.

6.O segmento da pecuária de corte e de leite, ocupa de forma parcial e integral mais de 50% do pessoal que trabalha na área agropecuária, significando uma importante fonte de geração de renda e emprego para a região. Particularmente a produção de leite é uma atividade com grande conteúdo social, pois é desenvolvida principalmente nas pequenas propriedades familiares rurais, o que determina a necessidade de constante apoio de crédito, assistência técnica e tecnologias. Só em Rondônia a pecuária de leite envolve cerca de 44 mil famílias, com produção de 1,8 milhão de litros diários.

7.A declaração de Rondônia como Zona Livre de Febre Aftosa com Vacinação, significa um reconhecimento internacional aos esforços dos Governos Federal, Estadual/Departamental e Municipal para promover o desenvolvimento da pecuária com qualidade e tecnologia apropriada. Isto se reflete em melhores preços da carne com relação às regiões não livres da Febre Aftosa.

8.O promissor mercado do couro determina a necessidade de melhorar o manejo animal, no sentido de elevar a qualidade, para abastecer a indústria de estofados, automobilística, de tapetes, de calçado e de produtos correlatos.

9.Existe a preocupação com o avanço da soja na Amazônia Legal, o que poderá deslocar a pecuária das suas atuais áreas de produção, se simultaneamente não ocorrer um processo de intensificação da mesma, o que se traduzirá em novos desmatamentos.

OS PARTICIPANTES DO EVENTO RECOMENDAM:

1.O desenvolvimento de uma pecuária sustentável na Amazônia Legal enfrenta múltiplos desafios comuns a todos os países da Bacia, os quais requerem, para sua superação: a) necessidade de aumentar a produtividade técnica e econômica; b) eliminar o fogo no manejo das pastagens; c) promover programas de capacitação técnica e gerencial; d) oferecer linhas de crédito para a adoção das tecnologias, e) assegurar maior estabilidade das políticas para a segurança dos investidores e f) fomentar programas de difusão e transferência de tecnologias.

2.Promover pesquisas orientadas prioritariamente para a recuperação de pastagens degradadas e gerar alternativas para o melhoramento das atuais pastagens, através de fertilização, do uso de gramíneas e leguminosas recomendadas e da implantação de sistemas agropastoris, silvopastoris ou agrossilvipastoris. A adequada arborização das atuais áreas de pastagens na Amazônia, além de possibilitar o bem-estar animal com o aumento de produtividade, permitirá incrementar o potencial de sumidouro de carbono, que seria da ordem de 335 milhões de toneladas, caso sejam implantadas 441 milhões de árvores. Se for mantido o atual nível tecnológico da pecuária Amazônia Legal, em 2020 será necessário um desmatamento adicional de 94,7 milhões de hectares de florestas tropicais. Dessa forma, há necessidade de promover a intensificação da pecuária na Amazônia Legal, sem o qual, com o modelo vigente não terá condições de alcançar mercados externos e sustentabilidade política.

3.Promover o fortalecimento dos sistemas de transferência de tecnologia e assistência técnica, para induzir o progresso tecnológico da atividade pecuária de carne e de leite. Recomendar a criação de programas regionais de treinamento para agentes de assistência técnica e financeira nos aspectos relativos a formar produtores com mentalidade empresarial.

4.Intensificar e adequar as políticas de crédito, assistência técnica e extensão rural, além da pesquisa e desenvolvimento para a recuperação das áreas de pastagens degradadas da Amazônia. As linhas de crédito do FNO necessitam serem adequadas para promover a recuperação de pastagens, as quais constituem a maior forma de uso da terra na Amazônia Legal. Há uma necessidade de recuperar, no mínimo, 2 milhões de hectares anuais.

5.Fortalecer a agricultura familiar e o associativismo, além do crédito rural, com assistência técnica, e dos conhecimentos de suas particularidades culturais, como obrigação dos Governos Federal, Estaduais/Departamentais e Municipais a fim de criar riqueza, sustentabilidade, fontes de trabalho e fixação no meio rural.

6.A aliança e a integração tecnológica e comercial entre os países amazônicos são essenciais para proteger os interesses comuns da Amazônia internacional, bem como para marcar posição nas mesas de negociação do comércio internacional. Essa situação reveste-se de grande importância devido às negociações de comércio internacional, em especial no âmbito da ALCA.

7.Estruturar as câmaras setoriais da pecuária de carne e leite para definir as políticas para o setor e organizar as cadeias produtivas do agronegocio, com o objetivo de intensificar e identificar os fatores limitantes à produtividade e à qualidade do produto visando tornar a atividade mais competitiva em nível nacional e internacional. Recomendam, em particular, fortalecer os trabalhos do Projeto Plataforma Tecnológica do Leite, já desenvolvido pelo Ministério da Ciência e da Tecnologia – MCT, por intermédio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq e da Embrapa Gado de Leite, Rondônia e Amazônia Oriental, na Região, com o aporte de contribuições dos países que compõem a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica – OTCA.

8.Há a necessidade de que os frigoríficos e as indústrias de laticínios tenham maior preocupação com o setor produtivo, evitando-se apenas a aquisição de matéria prima barata, com grandes custos ambientais e sociais, sob risco de comprometimento no fornecimento futuro.

9.Adotar as Boas Práticas de Produção de Bovinos Agropecuárias (BPPB) e os princípios da Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle (APPCC) como meio de melhorar a qualidade da carne e do leite, tornando-os livres de perigos físicos, químicos e microbiológicos para a segurança dos consumidores.

10Promover políticas econômicas que favoreçam a verticalização da produção e a incorporação dos pequenos produtores ao mercado, o estímulo à organização para a produção e comercialização, através de ganhos de economia de escala, qualidade e agregação de valor pela fabricação de produtos diferenciados, que gerem renda, emprego, serviços e outras oportunidades para a região. Estimular os sistemas de produção e certificação de carne orgânica, com reconhecimento internacional.

11.Implementar o Sistema de Brasileiro de Identificação e Certificação de Origem Bovina e Bubalina (SISBOV), como forma de garantir a competitividade e o reconhecimento no mercado internacional de carnes, através das certificação do produto.

12.Há necessidade de fortalecer o ordenamento territorial e o manejo integrado da Bacia Amazônica e reconhecer os árduos esforços pioneiros já desenvolvidos na região quanto ao zoneamento ecológico e econômico (ZEE), especialmente em Rondônia. Neste sentido, é urgente realizar o diagnostico do uso atual da terra (aspectos econômicos, sociais e ambientais), nos 63,14 milhões de hectares de área desmatada na Amazônia Legal. Fortalecer o sistema de vigilância sanitária em nível nacional e nas fronteiras, para permitir o controle eficiente, tanto da Febre Aftosa como de outras enfermidades que afetam a pecuária.

13.Adotar medidas destinadas ao melhoramento da infra-estrutura de comunicação, energia, armazenamento, transporte e outros, uma vez que esta poderá se converter em sério impedimento do comércio nacional e internacional, caso não receba a devida atenção.

14.Solicitar que a Embrapa e o IICA/PROCITRÓPICOS organizem a realização de seminário internacional em 2004, com o objetivo de identificar prioridades e oportunidades, além de estabelecer estratégia e tática de articulação regional, controle, vigilância e prevenção quanto ao tema da sanidade animal e vegetal na Amazônia.

15.Que Embrapa e o IICA/PROCITRÓPICOS realizem gestões para criar uma rede eletrônica de especialistas, clientes e usuários relacionados à pecuária para intercâmbio e atualização de informações.

16.Monitorar e controlar o avanço da cultura da soja na Amazônia Legal, priorizando os sistemas integrados agropastoris, sendo está uma forma de recuperar as pastagens degradadas.

17.Reafirmar o compromisso de apoio ao Plano Hemisférico de Erradicação da Febre Aftosa, visando eliminar a presença da doença até 2009, declarando todo o hemisfério livre de Febre Aftosa.

Porto Velho, RO, Brasil, 18 de julho de 2003.

Newton de Lucena Costa

Chefe Geral Embrapa Rondônia

Waldo Espinoza

Secretário Executivo - IICA/PROCITRÓPICOS

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