Sobrevivência move fusão entre Citrosuco e Citrovita
Mais do que estratégia de ataque, união reflete um novo 'setor'
O seleto grupo das "cinco Cs", que consolidou seu domínio sobre as exportações mundiais de suco de laranja na década de 90, foi reduzido a apenas três. A Cargill já havia saído desse mercado no Brasil em 2004, e na sexta-feira os grupos Votorantim e Fischer confirmaram as expectativas e anunciaram a fusão das operações no segmento, onde atuam por meio de Citrovita e Citrosuco, respectivamente.
Mais do que uma estratégia de ataque para eventuais expansões, o negócio pode ser encarado como um movimento defensivo, tendo em vista a tendência de concentração na distribuição e no varejo, a retração da demanda internacional pelo produto, o aumento dos custos de transporte e as dificuldades em garantir a expansão da oferta de matéria-prima de qualidade, seja através de investimentos em fazendas próprias ou com fornecedores terceirizados.

Juntas, Citrosuco e Citrovita terão faturamento total da ordem de R$ 2 bilhões e assumirão a liderança do segmento, posto há décadas ocupados pela Cutrale. Como a rival e a Louis Dreyfus - que no passado incorporou a Coinbra, que completava o time das "cinco Cs", e segue no mercado -, a joint venture resultante da união de Votorantim e Fischer, cujo controle será dividido em partes iguais, terá operações concentradas em São Paulo, que reúne o maior parque citrícola do planeta, e um braço operacional na Flórida, segundo maior polo global do segmento.
No total, são 64 mil hectares de pomares próprios de laranja, 2,5 mil fornecedores independentes, 6 mil colaboradores - número que pode chegar a 10 mil em período de safra -, sete unidades de processamento (uma das quais no Estado americano), oito terminais portuários (dois no Brasil e seis no exterior) e oito navios (cinco próprios e três afretados). A nova companhia será presidida por Tales Lemos Cubero, presidente da Citrosuco. O presidente da Citrovita, Mario Bavaresco Junior, será diretor-geral, e o conselho será dividido em número igual de cadeiras.
As explicações de Citrosuco e Citrovita param por aí, pela discrição que marca a estratégia de comunicação de ambas e porque o negócio, que deverá ser concluído em um prazo de nove meses, depende da aprovação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Mas, no mercado, causas e efeitos da integração são mais ou menos conhecidos há tempos.
"Não é surpresa. O fenômeno da consolidação é universal e pode ser observado em vários setores", afirma Christian Lohbauer, presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Sucos Cítricos (CitrusBR), criada em junho de 2009 por Cutrale, Citrosuco, Citrovita e Louis Dreyfus). O segmento de suco de laranja, lembra, é pioneiro em concentração, e o caminho é uma reação a fusões e aquisições que marcaram os elos posteriores da cadeia.
Lohbauer nota que, da mesma forma que o número de grandes indústrias exportadoras de suco agora cairá para três, ante as duas dezenas da virada dos anos 80 para os 90, o número de redes varejistas em mercados importantes como Alemanha, Inglaterra e França hoje também não passa de três por país. Na Europa, que absorve 70% das exportações brasileiras, também não há mais de 15 distribuidores que compram e engarrafam o produto oriundo do Brasil que chegará às gôndolas europeias. O Brasil domina mais de 80% da soma entre as exportações globais do suco congelado e concentrado (FCOJ) e não concentrado (NFC), que ganha espaço desde 2003.
A mesma linha de raciocínio justifica os temores dos produtores independentes de São Paulo e de parte de Minas Gerais que fornecem laranja para as empresas, reduzidos, em alguns cálculos, a menos de 10 mil. Por pressão de parte desses citricultores, as quatro grandes indústrias são investigadas pelas autoridades antitruste por uma suposta formação de cartel - ou oligopsônio, já que a acusação é de combinação de preços na aquisição da fruta dos fornecedores.
As rusgas na cadeia produtiva também motivam um processo na Justiça, que ainda não foi a julgamento, para obrigar as indústrias a arcar com os custos da colheita mesmo em propriedades de fornecedores terceirizados. Há outras dezenas de processos judiciais que opõem, em casos individuais ou coletivos, citricultores e indústrias de suco. As empresas já cobrem pelo menos 30% da demanda pela fruta com a oferta de fazendas próprias - na Citrovita, o percentual chega a 60%, conforme fontes do segmento. Outros 30% são cobertos pelos fornecedores independentes, e o quinhão restante pode ser obtido no mercado spot.
Conforme especialistas, a união tem potencial, pelas sinergias visíveis, para tornar as operações da Citrovita lucrativas, coisa que não são, e para tranquilizar a Citrosuco no que se refere ao quadro sucessório, como adiantou o Valor em março ao noticiar que as conversações para a fusão entre ambas avançavam.
A Citrosuco foi fundada em 1963 por Carl Fischer, "inimigo íntimo" de José Cutrale, fundador da rival que faleceu no fim de 2004. Com a morte do pioneiro, os negócios passaram a ser conduzidos por seu filho, Carlos Guilherme Eduardo Fischer, que também faleceu. Mulher forte da empresa desde então, Maria do Rosário Fischer, viúva de Carlos Guilherme, tem quatro filhas. E uma delas é casada com Ricardo Ermírio de Moraes, um dos herdeiros da Votorantim. Moraes já foi executivo da Citrosuco, mas se afastou, em parte, pelas questões concorrenciais. (Colaborou Eduardo Laguna)