Sistema cage-free ganha novos adeptos
Compromisso pode impactar a vida de até 5,7 milhões de galinhas no Brasil
O GPA anunciou, nesta quarta-feira, 11 de novembro, o compromisso pelo fim da comercialização de ovos de galinhas submetidas a confinamento em gaiolas em todas as suas operações no Brasil. Até 2028, todas as bandeiras do grupo (atualmente Pão de Açúcar e Extra) completarão a transição e passarão a vender somente ovos de galinhas criadas em sistemas livres de gaiolas, tanto de marcas próprias quanto de fornecedores terceirizados.
O compromisso do GPA é um marco histórico na luta pelos direitos dos animais no Brasil. Levantamento da ONG Mercy For Animals (MFA) estima que essa nova diretriz assumida pelo GPA pode impactar até 5,7 milhões de galinhas por ano no país. A novidade é também um marco para o varejo brasileiro - o GPA é o último dos três maiores grupos varejistas do país a se comprometer publicamente com a mudança na comercialização de ovos - o Grupo Carrefour e o Grupo Big (ex-Walmart) anunciaram compromissos semelhantes em 2018. No anúncio, o GPA divulgou também uma política para suínos que inclui o fim das celas individuais de gestação, entre outros critérios mínimos de bem-estar animal.
A notícia vem a público pouco mais de duas semanas depois de o Grupo Mantiqueira, líder no segmento de avicultura na América Latina, anunciar que não construirá novas granjas no sistema convencional de produção e chegará à marca de um milhão de galinhas livres de gaiolas até o final de 2021, alcançando dois milhões até 2025.
“Grandes corporações têm o poder de transformar a vida de bilhões de animais por meio de mudanças em suas políticas”, comenta Sandra Lopes, diretora executiva da Mercy For Animals no Brasil. “Este compromisso confirma que o movimento livre de gaiolas é urgente e irrefreável, reforçando a importância de todas as empresas do ramo alimentício que comercializam ou utilizam ovos avaliarem esse assunto com absoluta prioridade”.
“Esse compromisso é fruto de muito trabalho das organizações de proteção animal, mas também do apoio dos consumidores que se juntaram a nós e têm consciência das suas responsabilidades com os animais”, diz Carla Lettieri, nova diretora executiva da Animal Equality Brasil. “Esperamos que a atitude do GPA inspire outras empresas, porque ainda há milhões de galinhas sofrendo em gaiolas no mundo.”
"Todas as empresas precisam dar atenção às vidas dos animais envolvidos nesse processo de criação de galinhas e produção de ovos para consumo humano. Os animais não humanos envolvidos nesses processos carecem de oportunidades para expressarem os movimentos naturais, inerentes à sua espécie. A mudança existe, a sociedade civil está cobrando, e quanto antes as demais empresas entenderem isso, melhor será a vida dos animais", diz Taylison Santos, especialista em BEA de Farmed Animals do Fórum Animal.
"O compromisso do varejo e da indústria sinaliza, aos produtores, oportunidades de mercado que permitem mais segurança de investimentos para essa transição de sistemas de criação, estabelecendo uma transformação mais justa", declara Dra. Patrycia Sato, presidente da Alianima.
Negociação e progresso para os animais
O anúncio feito pelo GPA é resultado de quase 4 anos de extensa negociação liderada por organizações de proteção aos animais, como Alianima, Animal Equality, Forum Nacional de Proteção e Defesa Animal, Humane Society International e Mercy For Animals, entre outras. Em janeiro de 2017, a MFA lançou uma campanha de conscientização pública pedindo ao GPA que parasse de comercializar ovos provenientes de galinhas confinadas em gaiolas em todas as suas operações no Brasil.
Em fevereiro do mesmo ano, o Fórum Animal lançou um site com uma carta aberta direcionada aos tomadores de decisão dentro do GPA, o que gerou como resposta do grupo um documento intitulado “Carta Ética de Fornecedores”, mas que não era suficiente ao que diz respeito às condições de vida dos animais. Prosseguiram-se as campanhas por meio de petição online e investigação em granjas, até que, no final de março, a empresa assumiu o compromisso de eliminar os ovos de galinhas confinadas em gaiolas de suas marcas exclusivas até 2025. Por ser considerada uma política insuficiente pelas organizações de proteção animal que atuam no Brasil, em maio de 2017, a Animal Equality também lançou uma campanha de conscientização, concomitantemente com a campanha da MFA, que continuou por quatro anos.
As gaiolas e a indústria de ovos no Brasil
A prática do confinamento de galinhas em gaiolas é considerada uma das piores causas de sofrimento animal. Nesse sistema, as aves são mantidas em espaços minúsculos, sem poder andar, esticar suas asas ou expressar outros comportamentos naturais. É comum que galinhas fiquem presas, sofram lacerações ou tenham membros mutilados no aramado das gaiolas ou sob as bandejas de ração. Essas aves frequentemente sofrem e morrem, sendo encontradas em decomposição em meio a galinhas ainda botando ovos para consumo humano.
A avicultura de postura brasileira atingiu o recorde de 49,055 bilhões de ovos produzidos em 2019, segundo o relatório anual 2020 da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA). Dados do IBGE de 2018 indicam que haja 160 milhões de galinhas na indústria de ovos, sendo cerca de 95% criadas confinadas em gaiolas - mais de 150 milhões de galinhas, cada uma com espaço equivalente ao de uma folha de papel A4.
Estudo da Delacon sobre o comportamento dos jovens brasileiros conduzido em janeiro de 2020 aponta que os millennials do país têm um nível extremamente elevado de consciência alimentar. Quase dois terços dos entrevistados indicaram que são muito cuidadosos com o que comem e 8 a cada 10 millennials consideram importante priorizar ovos e aves de marcas que seguem "boas práticas de bem-estar animal" e criam os animais "de maneira sustentável", "de maneira a reduzir o impacto ambiental" e "sem utilização de antibióticos".
Mais de 1.800 empresas em todo o mundo já anunciaram seus compromissos de não trabalhar com ovos produzidos em sistemas que mantêm galinhas confinadas em gaiolas em bateria, prática banida em toda a União Europeia, assim como em diversos estados dos EUA. No Brasil, mais de 100 companhias já publicaram políticas nesse sentido, entre elas grandes grupos e marcas, como St Marche, Zaffari e Makro, além da Cia Beal de Alimentos e as maiores redes de alimentação no país– entre elas McDonald’s, Burger King, Subway, Spoleto, GRSA e Sodexo.