A Conferência Ministerial da OMC (Organização Mundial do Comércio), marcada para setembro em Cancún, caminha para um desfecho melancólico, na medida em que a União Européia e os Estados Unidos, as duas grandes usinas comerciais do planeta, não conseguem desfazer o nó na negociação agrícola.
As duas potências mundiais deveriam ter apresentado ontem (11-08) aos demais 144 países-membros da organização um documento conjunto sobre a liberalização do setor agrícola. Não conseguiram, apesar de frenéticos esforços que incluíram uma videoconferência que varou a noite do sábado entre seus principais negociadores comerciais.
Pediram novo prazo, que irá até hoje às 18h (em Genebra, QG da OMC, 13h em Brasília). Mas já avisaram que, se conseguirem produzir um documento, será o que o jargão diplomático chama de "moldura". Ou seja, o documento não conterá números sobre a liberalização agrícola, embora tanto Washington como Bruxelas jurem que a proposta a ser apresentada será palatável para os demais países.
Insatisfação - É pouco provável, no entanto, que satisfaça países como o Brasil, que condicionam qualquer concessão em outras áreas da negociação comercial à abertura do comércio agrícola.
Afinal, União Européia e Estados Unidos saíram da miniconferência ministerial de Montréal, no fim do mês passado, com a incumbência de encontrar uma fórmula (numérica) intermediária entre as duas que estavam sobre a mesa até então.
Uma delas propõe uma modesta redução de 36% nas tarifas de importação de bens agrícolas, com um corte mínimo de 15%. Tem o apoio de 75 países, entre eles União Européia, Coréia do Sul, Japão e Suíça. A segunda fórmula é mais ambiciosa: corta todas as tarifas para um máximo de 25%. É, obviamente, a preferida pelo Brasil (e também por Estados Unidos, pela China e pelo Grupo de Cairns, formado pelos grandes exportadores agrícolas).
Se uma moldura sem números é o máximo que europeus e norte-americanos se dispõem, agora, a oferecer, fica claro que dificilmente se conseguirá avançar nos números na reunião da OMC em Cancún. O embaixador brasileiro em Genebra, Luiz Felipe de Seixas Corrêa, diz que mantém ainda uma "expectativa benevolente".
Mas já trabalha com a hipótese de que a verdadeira liberalização agrícola seja deixada para depois de Cancún. Se for assim, todos os demais itens da agenda também ficam em banho-maria. "O Brasil vai julgar todos os demais pontos da negociação pelo que houver de avanço em agricultura", antecipa o embaixador.
Como parece pouco provável que haja muito em agricultura, é igualmente pouco provável que se consigam avanços nas demais áreas. Conferências ministeriais, como a de Cancún, são a principal instância decisória da Organização Mundial do Comércio. Logo, suas reuniões são fundamentais para qualquer rodada de negociação comercial, como a que foi lançada há um ano e meio, na ministerial de Doha (Qatar).
Nesta, decidiu-se negociar a Agenda Doha de Desenvolvimento, que inclui, a rigor, todos os bens que o ser humano produz e comercializa entre fronteiras. Mas tal ambição continua esbarrando até agora justamente nos bens de mais antiga produção e comercialização no planeta, que são os agrícolas.