À margem da polêmica sobre alimentos transgênicos, os produtos orgânicos crescem no Brasil ao ritmo de 50% e movimentam R$ 300 milhões ao ano. O setor só não expande mais por falta de legislação. Enquanto a vizinha Argentina exportará 90% de sua produção, faturando US$ 35 milhões de uma fatia de US$ 25 bilhões das vendas mundiais em 2003, segundo pesquisa da Fundação Agricultura e Ecologia da Alemanha (Soel), o Brasil só exporta 15% do que produz (ou seja, algo em torno de US$ 45 milhões).
Apesar de grande produtor, o Brasil não tem nomenclatura específica para classificar os produtos orgânicos na pauta de exportações. Com isso, no ranking das exportações, o Brasil perde para Bolívia, que arrecada US$ 28 milhões; Uruguai, US$ 3,5 milhões; e até o Paraguai, com modestos US$ 200 mil. "Lamentavelmente os produtos orgânicos não possuem nomenclatura separada. Entram no geral", esclarece o presidente da empresa especializada GaMa, Martin Gardemann.
Dados da Federação Internacional de Movimentos de Agricultura (Ifoam) provam que o mercado é faminto. A Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) avalia que o mercado orgânico vai crescer 20 vezes até 2005, alcançando uma cifra de US$ 100 bilhões. O Reino Unido importa 70% de seu consumo de produtos orgânicos, Alemanha e França juntas importam 50% e os EUA gastaram US$ 11 bilhões em 2002.
"O Brasil é o principal produtor latino-americano e o primeiro mercado, mas está dez anos atrasado em relação à Europa e Argentina em termos de legislação e certificação", afirma a diretora da Nürnberg Global Fairs, Herta Krausmann, empresa organizadora da Biofach, o maior evento internacional de orgânicos que pela primeira vez foi realizado na América Latina, e terá o Rio, novamente, como sede no ano que vem.
"Não há instância no Brasil regulamentando as certificadoras brasileiras que já são 30 e o governo até agora não começou o trabalho de auditagem", diz o vice-presidente da ONG Instituto Biodinâmico (IBD), Alexandre Harkaly. O IBD existe desde 1990 e é a maior certificadora do País, sendo auditado por três organizações internacionais: União Européia, Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) e a Ifoam. A queixa do IBD tem fundamento. Em 1994, diversas entidades procuraram o Ministério de Agricultura pedindo a regulamentação do setor. Entretanto, segundo o coordenador do Colegiado Nacional da Produção Orgânica do Ministério da Agricultura, Rogério Dias, no cargo desde 2000, não existia nada na estrutura regimental do ministério sobre o tema até o final de 2002. Hoje, existem, em esfera legislativa, duas instruções normativas vigentes e um projeto de lei, o 659, em andamento no Congresso.
O projeto vem peregrinando desde 1996 quando foi proposto pelo então deputado federal Valdir Colato (PMDB-SC). Em 1999, foi assumido pelo deputado Murilo Domingos (PTB-MT) devido ao término da legislatura de Colato. "O projeto de lei 659 já passou pelo Senado, foi feito substitutivo construído em conjunto com órgãos governamentais e não governamentais para mexer no texto e agora retornou à Câmara. Estamos articulando para que seja votado em regime de urgência."
A dificuldade de normatizar todos produtos da cadeia agropecuária que se enquadram em orgânicos, de soja a gado, é a alegação do coordenador do Colegiado para a demora do trâmite. "É uma cadeia de normas que precisam ser ajustadas, e é isso que a gente vem tentando fazer nos últimos tempos", afirma Dias que cita, como exemplo de entrave, a adequação ao Código de Defesa do Consumidor e o fato de que o projeto foi redigido antes das diretrizes internacionais estabelecidas pelo Codex. Argumento com o qual Alexandre Harkaly não concorda.
"No meu entender, o Ministério da Agricultura já está equipado e estruturado para auditar". Quarta-feira, o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, anunciou a instalação, "em breve" da Câmara Setorial de Agricultura Orgânica. "Há um enorme espaço para avançar na direção do crescimento desses produtos, que têm um valor agregado mais alto", destacou o ministro que também foi um dos defensores da liberação do plantio de transgênicos.
Enquanto as regras não ficam claras, empresas brasileiras como a paranaense GaMa se certificam por conta própria. Exibindo o selo de qualidade Japan Agriculture Standards (JAS) e seguindo parâmetros de certificação dos EUA e Europa, a GaMa vendeu no ano passado 1.700 toneladas de soja orgânica.
Este ano, a previsão é exportar 3.800 toneladas. As safras de 2003 de milho para pipoca e semente de linhaça já foram totalmente vendidas aos EUA. A Native, considerada a maior exportadora de açúcar orgânico do mundo, exporta quase 90% das 17 mil toneladas que produz por ano, atendendo 27 países.
A Biofach, que reuniu 52 expositores de 14 países, 1.000 participantes, no Rio, promoveu uma rodada de negócios com a finalidade de criar alianças, capitaneada pelo argentino Lucio Mario Garcia, diretor da Eurocentro Mendonza.
kicker: Produtos isentos de adubos químicos ou agrotóxicos já movimentam R$ 300 milhões