Pesquisa faz Cerrado despontar
Unidade da Embrapa Cerrados completa 45 anos com trabalho importante para agricultura
Neste dia 1º de julho, há 45 anos, surgia a Embrapa Cerrados, importante unidade de pesquisa sediada em Planaltina (DF). Na época, em 1975, o Brasil vivia uma crise no abastecimento de alimentos e era necessário estimular a interiorização, com maior produção em novas áreas, como o Cerrado. Inicialmente com o nome de Centro de
Pesquisa Agropecuária dos Cerrados (CPAC), o desafio era viabilizar a agricultura em uma região considerada de solos pobres e inférteis, como era o caso do Cerrado. O trabalho foi intenso em pesquisa e tecnologia.
As frentes para desenvolver a região
Antes de colher os frutos que a agricultura do Cerrado colhe hoje, tendo a maior produtividade de soja do país, registrada no Distrito Federal, com 3,9 kg/hectare, além de ampla área irrigada, despontando em culturas como trigo e uvas para produção de vinhos.
A primeira grande linha de pesquisa desenvolvida pela Embrapa Cerrados na região buscou conhecer clima, solo, vegetação e recursos hídricos, buscando aproveitar as condições naturais e saber as limitações de expansão. A partir disso surgiu uma importante ferramenta usada, hoje, em todo país: o Zoneamento Agrícola de Risco Climático (ZARC). As orientações permitem que o produtor plante dentro da janela ideal indicada para sua região, sendo instrumento para balizar a oferta de seguro rural.
Após esta fase foram estabelecidas três frentes de trabalho: adequar o ambiente para ser produtivo, melhoramento genético e gerar renda. Inicialmente a pesquisa trabalhou em elementos como correção de solo e manejo, tornando produtivo e adaptado às necessidades. Segundo o melhoramento de cultivares e espécies, como a tropicalização da soja e do trigo, a introdução e a adaptação de fruteiras temperadas, de forrageiras africanas e de bovinos indianos para as condições ambientais do Cerrado. E, por fim, o o desenvolvimento de sistemas de produção que provessem, além da produção, retorno econômico ao produtor e menor impacto ambiental possível. Exemplo importante disso foi os sistemas integrados de Integração Lavoura-Pecuária (ILP) e Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF) e soluções que ajudem no desafio ambiental de emitir menos gases de efeito estufa.
A pesquisa segue fazendo seu papel. A Embrapa Cerrados tem três frentes, subdivididas em outros 23 itens que abrangem desde solo, conservação, manejo dos recursos hídricos, biológicos, novas cultivares, controle de pragas e doenças até as mudanças climáticas.
VEJA: Trigo - Cerrado tem potencial para 2 milhões de hectares
VEJA: Planalto Central quer produzir vinhos
Lançamento sustentável
Para marcar os 45 anos, a Embrapa Cerrados está lançando a tecnologia BioAS. A solução permite fazer a análise biológica do solo. A partir dela é possível analisar solos em aspectos mais profundos de fertilidade, indo além das questões sobre deficiência ou excesso de nutrientes.
A BioAS é capaz de antecipar o que está acontecendo na matéria orgânica do solo de acordo com o manejo adotado, seja de forma negativa ou positiva. As enzimas também conseguem medir o funcionamento do solo (ciclagem de nutrientes), são interpretáveis (teores baixo, médio e alto), apresentam coerência e reprodutibilidade e possuem simplicidade analítica com custo relativamente baixo e sem gerar resíduos.
Até o momento, nove laboratórios comerciais de cinco estados do Brasil (Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, São Paulo e Paraná) foram capacitados pela Embrapa para incluirem em suas rotinas as análises das duas enzimas do solo que são parte da tecnologia BioAS.
“Temos tecnologia para triplicar produção no Cerrado”
Todas as de pesquisa adotadas ao longo de quatro décadas e meia ainda são atuais, já que “a dinâmica da agricultura na região é muito intensa, com a introdução de novas ferramentas e tecnologias, fazendo que a geração e aplicação dos conhecimentos da pesquisa sejam fundamentais para manutenção da produção agrícola competitiva e sustentável”, conforme afirma o chefe geral da Embrapa Cerrados, Claudio Karia.
O Portal Agrolink conversou com o pesquisador Karia sobre as mudanças, cenário e trabalho da unidade, além de questões como tecnologia e produtos biológicos.
Portal Agrolink: como observa a expansão da região em novas possibilidades de culturas?
Claudio Karia: a diversificação da agricultura no Cerrado é uma necessidade, tanto para o produtor quanto para todos os elos envolvidos com a agricultura. Na Embrapa Cerrados, as pesquisas com trigo datam da época da sua criação e hoje temos variedades muito produtivas e com alta qualidade de grãos, tanto do ponto de vista sanitário como para panificação. No Cerrado, desenvolvemos sistemas de produção de trigo para condições irrigadas, com altíssimas produtividades (acima de 6 toneladas por hectare) e sistemas de plantio para a segunda safra, em condições de sequeiro. Essas tecnologias estão disponíveis para o produtor e acreditamos que temos condições de atingir a autossuficiência na produção desse cereal, utilizando as áreas de altitude mais elevada do Cerrado. A vitivinicultura tem demonstrado potencial na região e pode ser uma alternativa para a produção de um produto de maior valor agregado. A experiência tem mostrado que podemos obter frutos e vinhos de boa qualidade no Cerrado. Na Embrapa Cerrados, não temos uma linha de pesquisa nesse tema, mas a equipe da Embrapa Uva e Vinho, localizada em Bento Gonçalves (RS), está atenta aos movimentos na região e estamos aqui para apoiar se necessário.
Portal Agrolink: qual o papel da pesquisa dessa diversificação?
Claudio Karia: é importante ressaltar que a pesquisa deve sempre estar buscando novas possibilidades para que o produtor tenha opções. A viabilização de uma nova espécie em uma região não tradicional tem, muitas vezes, um grande risco de insucesso e pode consumir anos de pesquisa. Portanto, é importante que tenhamos parte da equipe dedicada a essa questão, testando espécies, não necessariamente que vão substituir as tradicionais, mas que possam se encaixar no sistema de produção, quebrando ciclos de pragas e doenças, melhorando a qualidade do solo ou, simplesmente, para diversificação de fonte de renda.
Portal Agrolink: o grande aporte tecnológico e de irrigação vão fazer da região uma potência do agronegócio?
Claudio Karia: a região já é uma grande potência do agronegócio. Considerando os principais produtos da agropecuária brasileira, o Cerrado responde por 55% da produção de carne bovina, 49% da soja, 49% do milho, 98% do algodão, 47% da cana-de-açúcar, 43% do feijão e 89% do sorgo produzidos no País. O café tem se expandido na região, que já responde por 27% da produção nacional.
No Cerrado, há uma área de aproximadamente 2 milhões de hectares sob irrigação. A irrigação é uma ferramenta importante para a intensificação do uso da terra, pelo aumento da produtividade e do número de safras no ano e pela diminuição dos riscos de perdas da produção. O conhecimento adquirido para os diferentes cultivos sobre a demanda hídrica e o uso de equipamentos adequados, devidamente calibrados e bem manejados, permitem um elevado índice de eficiência do uso da água. O potencial de área que podemos irrigar no Cerrado é grande, mas a disponibilidade hídrica é bastante variável dentro da região e, nesse aspecto, a gestão dos recursos hídricos dentro da bacia hidrográfica é fundamental. Irrigação e gestão dos recursos hídricos também estão entre as nossas linhas de pesquisa.
Portal Agrolink: como observa a abertura de novas áreas?
Claudio Karia: temos tecnologia para triplicar a produção de alimentos sem precisarmos abrir novas áreas, preservando a vegetação nativa, que hoje ainda cobre mais de 50% do Cerrado, cuja área total é de aproximadamente 204 milhões de hectares. As áreas de pastagens correspondem a cerca de 60 milhões de hectares e grande parte apresenta baixa capacidade de produção. A adoção de tecnologias como a recuperação de pastagens, a ILP e a ILPF elevam substancialmente a produtividade da pecuária. Além do aumento da produção de grãos com a adoção da ILP e da ILPF, é possível que parte das áreas hoje ocupadas pela pecuária possam ser liberadas para o uso da produção agrícola.
Portal Agrolink: como a unidade vai colaborar na área de bioinsumos?
Claudio Karia: a Unidade tem um longo histórico de pesquisa na área de microbiologia dos solos e de controle biológico. Na área de solos, os estudos iniciaram-se em 1975, com ênfase na fixação biológica de nitrogênio (FBN), e já em 1980 foram lançadas as duas primeiras estirpes de rizóbio para a inoculação da soja, altamente adaptadas às condições do Cerrado, SEMIA 5019 (29W) e SEMIA 587. Posteriormente, em 1983, foram selecionadas e lançadas mais duas estirpes: SEMIA 5080 (CPAC-7) e SEMIA 5079 (CPAC-15). Essas quatro estirpes são utilizadas até hoje para a fabricação de inoculantes para soja, que são, sem dúvida, o bioinsumo mais utilizado no Brasil, gerando uma economia de 11 bilhões de dólares anuais para a agricultura brasileira.
No tema controle biológico, foram feitos diversos trabalhos de seleção de estirpes de fungos e de métodos de aplicação desses microrganismos para controle de insetos-pragas. Nossa equipe tem trabalhado com afinco e em breve teremos mais um produto que trará grande impacto no mercado.
Portal Agrolink: quais os desafios do bioma cerrado que a unidade vislumbra?
Claudio Karia: os desafios da agricultura no Bioma Cerrado se confundem com os desafios da agricultura brasileira. Segundo a FAO, até 2050, será necessário aumentar em 60% a oferta de alimentos no mundo para abastecer uma população de mais de 9,8 bilhões de pessoas e o Brasil deverá ser o principal protagonista desse aumento da produção. Grande parte desse aumento, entretanto, deve ser produto do incremento na produtividade e não da abertura de novas áreas, pois a pressão da sociedade mundial pela preservação das áreas nativas será cada vez maior.
Portal Agrolink: como se pode avaliar o trabalho nesses 45 anos?
Claudio Karia: nesses 45 anos de existência, muitos desafios foram vencidos e diversas tecnologias foram disponibilizados pela Embrapa e parceiros e, também, pela iniciativa privada. Entretanto, ainda temos desigualdades em relação à adoção dessas tecnologias, seja pelo custo e/ou pela carência de assistência técnica em algumas regiões ou para algumas classes de produtores. É necessário um esforço integrado do poder público, do setor privado e do terceiro setor para que possamos aumentar a adoção das boas práticas agrícolas para um maior número de produtores. Dessa forma, não apenas os agricultores serão beneficiados, mas também a sociedade como um todo pela oferta de alimentos em quantidade e em qualidade, produzidos de forma sustentável, gerando renda, respeitando o meio ambiente e as pessoas que trabalham em toda cadeia.
Outro desafio é o de gerar conhecimento para desenvolver indicadores de sustentabilidade, de fácil mensuração, que possam ser utilizados para quantificar e valorar os serviços ambientais das propriedades agrícolas, tanto nas áreas de preservação quanto nas áreas de uso agrícola.
Portal Agrolink: qual a expectativa com a tecnologia BioAS?
Claudio Karia: a tecnologia da Bioanálise de Solos (BioAS), permite ao agricultor monitorar a saúde do seu solo. Solos saudáveis são solos biologicamente ativos, produtivos e resilientes, que promovem a saúde das plantas, pessoas e animais e que preservam a qualidade ambiental, proporcionando, entre outros benefícios, o sequestro de carbono, o armazenamento e infiltração de água, a biorremediação de pesticidas e a mitigação da emissão de gases de efeito estufa. A expectativa que esse indicador seja um grande aliado para a motivação da adoção de tecnologias por parte dos produtores.
Portal Agrolink: o produtor vai ter que se preparar para essa nova agricultura?
Claudio Karia: a utilização de novas ferramentas, sobretudo as de tecnologia da informação e da biotecnologia (Agricultura 4.0), devem estar cada vez mais presentes na agricultura. Diante desse cenário, todos os atores da cadeia devem estar preparados, munidos de informação, para a difícil tarefa de escolher as tecnologias mais adequadas para a solução de seus problemas.