Da descoberta do valor do milho híbrido até sua utilização na década de 1950, passaram cerca de 40 anos de ceticismo entre leigos e cientistas. Havia quem pensasse que esta era uma técnica contra a natureza das plantas e que não iria permanecer em uso. A descoberta da hélice dupla do DNA, em 1953, e que nele residia a informação genética também foi contestada, como também o foi a revolução verde que preconizou o uso de variedades de plantas mais produtivas associadas ao uso de alta tecnologia. Existem muitos outros exemplos de resistência à inovação tecnológica.
Atualmente, para alimentar a população crescente, é preciso ir além. Com o desenvolvimento da biotecnologia, o aumento da produção ganha um aliado de enorme potencial. Embora se reconheça que tecnologias isoladas nunca irão acabar com a fome, os avanços científicos abrem novas possibilidades através da transferência de características de interesse entre espécies, mesmo que elas não sejam sexualmente compatíveis, uma exigência da genética convencional.
Ao organismo cuja constituição genética foi alterada pela introdução de genes pelas técnicas de transformação genética, chamamos de transgênico. A transgenia é técnica segura, rápida e permite introduzir apenas o gene de interesse na espécie receptora. Através da transgenia podemos silenciar, ativar ou transferir genes que resultam em alimentos melhores e em maior abundância.
Os organismos modificados geneticamente podem ser enriquecidos com vitaminas, a exemplo do arroz chamado de “golden rice” que produz mais beta-caroteno, melhorando a disponibilidade de vitamina A, importante para a visão; podem ser resistentes a pragas, diminuindo o uso de pesticidas, e resistentes a herbicidas. Com a transgenia, pode-se incorporar aminoácidos essenciais ao metabolismo humano e produzir vacinas comestíveis.
A Embrapa vem desenvolvendo pesquisas na área de transgênicos por muitos anos. É preciso cumprir a legislação de biossegurança antes de colocá-los no mercado. A espera de autorização para implantação de experimentos de campo já dura quase três anos no caso do feijoeiro resistente ao mosaico dourado, uma doença.
Em síntese, o emaranhado em que se encontram os cientistas brasileiros é o seguinte: devido à Lei de Agrotóxicos, plantas transgênicas resistentes a pragas foram consideradas como afins de agrotóxicos. Uma liminar deferida pela 14ª Vara da Justiça do Distrito Federal levou em conta essa consideração, obrigando as instituições de investigação científica requererem o RET (Registro Especial Temporário) ao Ministério da Agricultura.
Para o RET ser concedido, devem ser também ouvidos os órgãos de saúde e meio ambiente, havendo a necessidade do Certificado de Avaliação Ambiental Preliminar (emitido pelo Ibama) e certificado de Avaliação Toxicológica Preliminar (emitido pela Anvisa). Além disso, há a necessidade da LOAP (Licença de Operação de Áreas de Pesquisa), cujos termos de referência ainda estão sendo discutidos.
Cabe destacar ainda que as instituições de pesquisa que lidam com transgênicos precisam do CQB (Certificado de Qualidade de Biossegurança) e, no caso do plantio experimental, o Parecer Técnico Conclusivo favorável da CTNBio. Por último, vale lembrar que, para experimentação em condições de casa de vegetação e em laboratório com plantas resistentes a pragas, há necessidade do Certificado de Avaliação Ambiental Preliminar (AAP).
No caso da investigação científica, não se trata, portanto, de discurso ideológico de ser contra ou a favor dos transgênicos. O que se coloca é que o excesso de burocracia tem servido de entrave até para que a pesquisa demonstre claramente como e até onde a transgenia pode ser uma ferramenta capaz de beneficiar pessoas. Urge, assim, que sejam tomadas medidas para, ao menos, viabilizar os experimentos, a fim de que, por seus resultados, fique claro se convém ou não utilizar os produtos geneticamente modificados.
Josias Correa de Faria
Pesquisador da Embrapa Arroz e Feijão