Pesquisa desenvolve farinha de pinhão cru isenta de glúten
Um grupo de cientistas desenvolveu uma farinha de pinhão cru da semente da araucária
Um grupo de cientistas desenvolveu uma farinha de pinhão cru da semente da araucária. O novo produto alimentício não contém glúten, o que o torna apropriado a dietas especiais, como a voltada a pessoas com doença celíaca. O alimento pode ser combinado com outros ingredientes para ser empregado na panificação e compor pães, bolos, salgados, doces e outros.
A farinha de pinhão cru nasceu da estratégia de estruturação da cadeia produtiva do pinhão, que visa desenvolver novos produtos de alto valor agregado em escala agroindustrial. “Sua obtenção”, conta o pesquisador da Embrapa Felix Cornejo, “envolve conceitos simples referentes às propriedades físicas de matérias-primas agrícolas incluindo descascamento, separação da casca (tegumento) e pinhões danificados por flotação, secagem e moagem com a possibilidade de diferentes aplicações e usos da farinha, conforme a granulometria utilizada”. Esse trabalho foi realizado nas plantas-piloto da Embrapa por meio de parceria entre Embrapa Florestas (PR), Embrapa Agroindústria de Alimentos (RJ), Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Espécie nativa brasileira, o pinhão é a semente da araucária, espécie florestal que integra a paisagem ambiental, cultural e econômica nas regiões brasileiras Sul e Sudeste, bastante apreciado na alimentação. No entanto, sua cadeira produtiva é baseada no extrativismo e não é organizada, o que traz desafios e oportunidades. Os pesquisadores acreditam que o desenvolvimento de novos produtos possa fazer com que a cadeia se organize, desde a disponibilização de matéria-prima, criação de plantas agroindustriais e consequente geração de renda e conservação ambiental, especialmente em pequenas comunidades rurais.
“O produto final não apresenta odor pronunciado, e tampouco materiais lignocelulósicos que alteram a textura da farinha, o que facilita sua utilização na elaboração de diversos outros produtos das linhas de extrudados, panificáveis, salgadinhos e para uso gastronômico”, afirma pesquisadora da Embrapa Rossana Catie Bueno de Godoy que coordenou o projeto “Avaliação do potencial do pinhão na alimentação e no desenvolvimento de novos produtos (Pinalim)”. Os resultados do projeto se destinam principalmente às comunidades e produtores que atuam no extrativismo sustentável de produtos da floresta e a empresas que atuam no segmento de farinhas especiais, de acordo com a pesquisadora da Embrapa Agroindústria de Alimentos Regina Nogueira. “Sua textura fina e sem resíduos lignocelulósicos confere maior aceitação por parte dos consumidores”, afirma, frisando a intenção de estender aos consumidores a oferta de produtos com potencial de boa aceitação durante todo o ano.
Desafio: aumentar a produção de pinhão
Na natureza, a araucária leva de 12 a 15 anos para começar a produzir o pinhão. Pesquisas conduzidas pela Embrapa Florestas desenvolveram tecnologias que possibilitam a antecipação da produção para seis a oito anos, estimulando a formação de pomares de pinhão. A tecnologia é destaque no Balanço Social da Embrapa 2021.
O rendimento do processo de elaboração da farinha é de 30% em relação à matéria-prima. Segundo dados da tese de doutorado defendida no Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Processos Químicos e Bioquímicos (EPQB, da UFRJ) por Angela Gava, a vida útil dessa farinha de pinhão é de 120 dias, o que representa um ganho significativo. “A semente de pinhão in natura apresenta uma elevada ‘atividade de água’. Ou seja, a água livre presente na semente, que pode ser utilizada por microrganismos, torna a matéria-prima suscetível à deterioração, o que limita seu consumo aos meses de coleta. Quando submetido ao processamento, após a desidratação e envase adequado, há possibilidade de oferta desse alimento por mais tempo”, informa. Embora a farinha branca tenha melhor aceitação, é possível também, durante o processo de obtenção da farinha, utilizar a película que envolve o endosperma da semente e, com isso, ter a opção de uma farinha com maior teor de aminoácidos essenciais (leucina, fenilalanina + tirosina e valina).
Segundo análises realizadas no Laboratório de Análises Físico-Químicas da Embrapa Agroindústria de Alimentos, a farinha de pinhão crua possui cerca de 80% de amido, 6% de proteína, 5% de fibras e 2% de lipídios e apresenta umidade de 4,95%. Uma característica interessante observada pela equipe de pesquisadores é que os tipos de amidos encontrados no pinhão são potencialmente benéficos para a saúde humana. “O pinhão apresentou níveis elevados de amido rapidamente digerido, como a maioria das fontes amiláceas, contudo, também consideráveis quantidades de amido lentamente digerível, amido resistente, o que desperta potencial promoção de saúde com o seu consumo”, explica a engenheira de alimentos Manoela Guidolim da UFPR. O amido resistente serve de nutriente para as bactérias presentes no intestino grosso, sendo considerado um alimento prebiótico.
Potencial para mercado de celíacos
Dados da Gluten Free Brasil apontam que o mercado nacional de alimentos sem glúten quadruplicou nos últimos 15 anos para atender a necessidade de mais de dois milhões de pessoas com doenças celíacas, alérgicos e intolerantes à glúten, e àqueles que preferem reduzir o glúten de suas dietas.
Além disso, segundo a empresa de pesquisas de mercado Mintel, 79% dos consumidores brasileiros seguem a tendência mundial pela busca de alimentos mais naturais e saudáveis, que podem ser sem glúten, aditivos químicos, agrotóxicos e proteínas de origem animal, por exemplo. Um outro nicho de mercado a ser explorado é daqueles consumidores que valorizam alimentos regionais, provenientes da sociobiodiversidade brasileira. Nesse contexto, o avanço dos estudos da estrutura e das propriedades funcionais do pinhão podem contribuir para a expansão de seu consumo e uso industrial.
Consulta aos consumidores para definir linhas de pesquisa
As pesquisas com novos produtos de pinhão, que deram origem à farinha de pinhão cru, são fruto de uma consulta feita a mais de 180 consumidores que, entre as questões levantadas, relataram os principais problemas encontrados no pinhão no mercado e o que a pesquisa poderia contribuir para incrementar o aproveitamento da semente, gerando novos produtos.
Além da farinha, outros produtos foram pesquisados em escala laboratorial e piloto, como snacks, pré-mistura para bolos, extração de amido, entre outros. Outro resultado do projeto Pinalim foi a publicação do livro O Pinhão na Culinária, com cem receitas doces e salgadas elaboradas com essa iguaria.
informações EMBRAPA.