Livre de glúten, tapioca ganha o consumidor e expande mercado da mandioca
Em poucos anos, goma de mandioca típica do Nordeste se adaptou para cair no gosto e nos hábitos de consumo dos moradores do Sul e Sudeste
De um produto típico do Norte e Nordeste, que até 2014 sequer aparecia no ranking dos principais usos da mandioca, a tapioca caiu no gosto do consumidor e ganha rapidamente espaço nos quiosques, restaurantes e lares de todas as regiões do país.
Hoje a goma de mandioca, ou polvilho doce umedecido, matéria-prima da massa de tapioca, já responde sozinha por 60 mil toneladas anuais de fécula (9,4% do total), podendo chegar em breve a metade do volume destinado ao principal segmento, que é o de pães, massas e biscoitos (22,7% de participação).
“A tapioca tem um apelo internacional: é livre de açúcar e de gordura, não tem glúten nem transgênico. É uma grande oportunidade para o setor da mandioca”, diz Ivo Pierin Júnior, produtor rural e dono de fecularia em Paranavaí, principal polo mandioqueiro do país.
Antes de conquistar o Sul e o Sudeste, a massa de tapioca precisou de algumas adaptações e ganhos tecnológicos. O controle microbiológico de fungos e bactérias eliminou o cheiro de azedo, decorrente do processo de fermentação da fécula umedecida.
“Os consumidores reclamavam que abriam o pacote e, três ou quatro dias depois, a massa já embolorava. Hoje, com um rígido controle biológico, a massa fica na embalagem sem necessidade de refrigeração e dura até dois meses na geladeira, depois de aberta”, assegura Antonio Fadel, dono da Casa Mani, em Tarabaí, a 588 km de São Paulo. A indústria de Fadel produz 400 toneladas de massa de tapioca por mês, a maior parte para o Sul e o Sudeste, mas também exporta para países como Estados Unidos, Japão e Coreia do Sul.
Na avaliação do empresário paulista, um marco do marketing da tapioca foi a preparação do produto ao vivo no programa de TV de Ana Maria Braga. “Foi há uns quatros. Ela recebeu um chef de cozinha que ensinou a preparar e falou dos benefícios. Aquilo deu um impulso violento, fez explodir o interesse do consumidor”, diz Fadel.
A aposta atual do empresário é motivar as pessoas a fazer tapioca em sanduicheira. “Temos feito demonstrações nos supermercados. É prático, não precisa peneirar e não suja o fogão”, recomenda.
Nicho que se expande
A expansão da tapioca foi mesmo acelerada. Levantamento da rede Super Muffato para o Agronegócio da Gazeta do Povo mostra que, de 2015 para 2016, o faturamento com vendas de tapioca cresceu 336%, em 50 lojas do grupo no Paraná e interior de São Paulo. Neste ano, até agosto, as vendas aumentaram mais 30%.
Há três anos, percebendo o crescimento acelerado da demanda, o setor produtivo pediu ao Centro de Estudos Avançados de Economia Aplicada (CEPEA) que investigasse o volume de fécula destinado à produção da goma de mandioca.
Na primeira pesquisa, em 2015, o CEPEA constatou que a goma já consumia 8,3% da oferta de fécula no país; em 2016, avançou mais 11% no mercado e chegou a uma participação de 9,4% das vendas das fecularias. “É o segmento que mais tem crescido nos últimos anos. É um movimento muito recente mesmo, um nicho que se expande rapidamente”, revela o economista Fábio Isaías Felipe, pesquisador do CEPEA.
Pão de queijo, outro aliado
Apesar do surpreendente crescimento, a tapioca não é o único grande aliado gastronômico dos mandiocultores. Apreciado há mais tempo, o pão de queijo não fica para trás na contribuição para aquecer a demanda. No final deste ano, a pesquisa do CEPEA vai desagregar pela primeira vez o segmento de massas, biscoitos e panificação para saber qual a participação de cada item. “Sem sombra de dúvidas, mais de 60% desse segmento é pão de queijo. Diferente de outros produtos, não tem como substituir na receita, só dá para fazer pão de queijo com fécula”, observa o pesquisador Fábio Felipe.
A demanda firme e consistente para produção de tapioca e pão de queijo é um alento para a mandiocultura, que tradicionalmente vive de altos e baixos. Em 2012 e 2013, devido à seca no Nordeste, a cadeia produtiva se expandiu no Paraná (2º estado produtor), os agricultores se capitalizaram e investiram bastante. Não deu outra: houve supersafra em 2015, os preços mal cobriram metade do custo de produção e o prejuízo se espalhou, fazendo muita gente migrar para outra cultura.
Ainda como resultado daquele ano ruim, e devido a problemas climáticos, a oferta de mandioca é baixa atualmente, e os produtores estão sendo bem remunerados. Na semana passada o mercado pagava, em média, R$ 518,39 por tonelada de raiz, contra um custo de produção de R$ 306,42 (Deral-PR, mês de agosto). Ou seja, um retorno de R$ 211 por tonelada.
Principal parque industrial de transformação da mandioca, em 2016 o Paraná produziu 68% das 616 mil toneladas de fécula de mandioca comercializadas no país, seguido por Mato Grosso do Sul (23,6%), São Paulo (8%) e Santa Catarina (0,3%). O faturamento da indústria brasileira em 2016 foi de R$ 1,31 bilhão, 35% a mais do que em 2015 - segundo dados do CEPEA.